Ela escala fio acima, se consolando no passado.
Red raramente procura a companhia de outros como ela. São todos esquisitos — decantados depois de terem sido considerados divergentes em algum ponto de seu desenvolvimento. Ou os mais divergentes de todos: aqueles que decantaram a si mesmos. Eles não ficam em paz, e continuam os jogos na rosa celestial. Eles se destrincham do resto, introduzem assimetria.
Eles criariam esta guerra se já não houvesse uma guerra criada para que lutem, ela pensa.
Mas ela busca companhia agora, em um dos lugares onde sempre encontra.
O sol castiga as ruas de Roma. Um homem com um rosto magro e um nariz fino e uma coroa de louros passa acompanhado pelo Teatro de Pompeia. Outros o interceptam, convidam-no a entrar. Uma multidão está esperando nas sombras: os senadores, seus servos, e outros.
— Você já sentiu que está sendo seguido? Que a Comandante está espionando você? — Red pergunta a um dos outros.
Um senador oferece a César uma petição.
— Seguido? — diz o homem com o nariz quebrado à sua esquerda. — Pelos inimigos, às vezes. Pela Agência? Se a Comandante quisesse nos espionar, poderia ler nossas mentes.
César desconsidera a petição, mas os senadores o rodeiam.
— Alguém está seguindo meus rastros, mas some assim que penso em pegá-lo — diz Red.
— Agente inimigo — diz a mulher à sua direita.
— Mas são em excursões minhas, viagens de pesquisa, não de contra-ataque. Como um agente inimigo saberia para onde eu vou?
Um senador puxa uma adaga. Ele tenta esfaquear César pelas costas, mas César segura sua mão.
— Se for a Comandante — diz o homem com o nariz quebrado —, por que se preocupar?
Ela franze a testa.
— Eu gostaria de saber se a minha lealdade está sendo testada.
O homem que teve a mão segurada grita por ajuda em grego. Adagas deslizam das bainhas dos senadores.
— Isso acabaria com o propósito do teste — observa a mulher. — Ah, deixe disso, nós vamos perder a diversão.
Ela tem um sorriso largo e uma lâmina longa.
César grita algumas palavras, mas elas se perdem no tumulto do ataque dos assassinos. Red dá de ombros e suspira e se junta a eles. A guerra oferece poucas chances de extravasamento, e ela não pode ser vista dispensando uma. O sangue gruda em suas mãos. Ela lava depois, em outro rio, bem longe.
Folhas esvoaçam nos bosques de Ohio quando os gansos pousam. Um deles se afasta dos demais gansos e se aproxima dela. Red pondera sobre o destino do último ganso a lhe trazer uma carta e sente um momento de culpa.
Há um barbante ao redor do pescoço do ganso, e do barbante pende uma bolsa de couro fino.
Suas mãos tremem ao abrirem a bolsa. Seis sementes repousam lá dentro, diminutas lágrimas carmesins com ainda mais diminutos números entalhados em suas superfícies, de um a seis. Sobre o couro, em uma tinta azul demais para aquele continente ou filamento, a caligrafia que ela conhece bem, mesmo que só tenha visto uma vez, traça: Você confia em mim?
Ela se senta no bosque, sozinha.
Ela confia.
Red confia nela até os ossos, a ponto de ter que pensar por um longo tempo para se dar conta do que desconfiar implicaria — o que essas sementes podem ser, o que podem fazer a Red, se estiver errada.
Ela come as três primeiras sementes uma a uma. Deveria se sentar debaixo de um baobá, mas em vez disso afunda sob uma castanheira, rodeada de seus frutos espinhosos.
Quando cada carta se abre em sua mente, ela a enquadra no palácio da memória. Ela tece as palavras em cobalto e lápis-lazúli, unindo-as ao manto de Maria nos afrescos de São Marcos, à tinta sobre porcelana, à cor de uma rachadura em uma geleira. Recusa-se a deixá-la escapar.
A terceira semente, com sua terceira carta, faz Red desfalecer.
Ela acorda com o farfalhar de castanhas secas para descobrir as últimas três sementes ainda em sua mão fechada, mas a bolsa de couro desaparecida. Ela ouve passos no bosque e os persegue: uma sombra dispara lá na frente, sempre fora de alcance, e então some, e ela cai ofegante de joelhos no bosque vazio.
Amal El-Mohtar e Max Gladstone, "É assim que se perde a guerra do tempo"
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