Os gastos militares mundiais aumentaram 6,8% em 2023, em termos reais (descontada a inflação). Foi a mais acentuada expansão anual observada ao longo de nove anos consecutivos, desde 2014, representando despesas no total de US$ 2,443 trilhões. Os Estados Unidos aparecem em primeiro lugar, com um total de despesas no setor militar de US$ 916 bilhões no ano passado (2,3% a mais sobre 2022), seguido da China com a estimativa de gastos da ordem de US$ 296 bilhões (6% acima do ano anterior).
Os números são do Stockholm International Peace Research Institute - Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri) -, cujo banco de dados foi atualizado em abril deste ano. Trata-se de uma conceituada instituição independente dedicada a pesquisar informações relacionadas com a segurança global em 40 países.
A Rússia, com US$ 109 bilhões (24% de aumento sobre 2022) aparece em terceiro lugar, à frente da Índia, cujas despesas militares atingiram US$ 83,6 bilhões e da Arábia Saudita, com US$ 75,8 bilhões de gastos. A Ucrânia ampliou suas despesas militares em 51%, atingindo o total de US$ 64,8 bilhões em 2023.
No top 10, aparecem ainda o Reino Unido, a Alemanha, a França e o Japão, que decidiu voltar a investir em armamento. O Brasil é o 16º colocado, com gastos equivalentes a US$ 22,9 bilhões (3,1% a mais sobre 2022).
Obviamente, o incremento dos gastos militares foi estimulado pela invasão da Rússia na Ucrânia há cerca de dois anos e meio e pelo ataque do Hamas a Israel com a consequente resposta que há um ano tem envolvido o exército israelense na faixa de Gaza, na Cisjordânia e, mais recentemente, no Líbano. Os dados do Sipri apontam para um aumento real de 9% das despesas militares na região do Oriente Médio em 2023. Além da Arábia Saudita, destacam-se Israel com gasto de US$ 27,5 bilhões (24% a mais sobre 2022), a Turquia, que ampliou seus gastos em 37% para o total de US$ 15,8 bilhões, e o Irã, cujo aumento marginal de 0,6% envolveu US$ 10,3 bilhões no ano passado.
No que diz respeito às armas nucleares, também se observou inversão substancial, com destaque para a China. Como se sabe, são nove os países que detêm arsenal nuclear: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) e Israel. O Sipri calcula que no início de 2024 o total de armas nucleares naqueles países somou cerca de 12.121, sendo que destes 9.585 são considerados potencialmente disponíveis do ponto de vista operacional.
Estados Unidos e Rússia são responsáveis, juntos, por cerca de 90% da totalidade do armamento nuclear no mundo e têm investido na substituição e modernização de ogivas, mísseis, aviões e em submarinos especializados. A grande novidade é a expansão do arsenal nuclear chinês. Com a ressalva de que as informações se baseiam em dados secundários, uma vez que a China não os divulga oficialmente, o Sipri estima em 500 ogivas nucleares o total existente naquele país em janeiro deste ano. Isto representaria 90 ogivas a mais do que a estimativa de 2023. O Instituto destaca a possibilidade de que, na próxima década, os chineses sejam capazes de manter posicionada a mesma quantidade de mísseis balísticos intercontinentais que a Rússia ou os Estados Unidos no mesmo período.
Enquanto o mundo se arma, as Nações Unidas, órgão responsável por manter a paz global, se enfraquece. Criada em julho de 1945, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, em substituição à Liga das Nações que, por sua vez, havia surgido com o fim da Primeira Guerra, a ONU vem gradualmente perdendo poder de influência na mediação de conflitos. Paralisada em meio às discussões a respeito da formação atual e injustificável do Conselho de Segurança, a instituição ficou sem voz e sem vez.
De fato, há uma obsolescência em torno daquele Conselho. Seus membros permanentes com poder de veto - Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China - formam o grupo dos aliados, vencedores da guerra deflagrada por Hitler, com exceção da China que entrou, talvez, por oposição ao então inimigo Japão, apesar de representar na época apenas 2% do PIB mundial. Aliás, entrou como República da China (hoje Taiwan) e foi substituída em 1971 pela República Popular da China em manobra de Nixon, que se aproximou dos chineses com receio de que estes se aliassem à Rússia. Após quase 80 anos, vive-se hoje uma realidade geopolítica diferente com novas forças de influência, muitas informais, como o G-7, o G-20, os Brics, a Asean (do Sudeste Asiático mais China) e a AUKUS (Aliança de Defesa anti-China), entre outras.
A 79ª Assembleia Geral da ONU aprovou recentemente em Nova York o “Pacto do Futuro”, com o objetivo de reforçar a cooperação multilateral e reabilitar o poder político da própria instituição. Entre os objetivos está a reforma do Conselho de Segurança com relação à forma, ao tamanho e às atribuições, incluindo limites para o uso do poder de veto. O tal Pacto mais parece aquele tipo de decisão para inglês ver, como se diz. A ONU quer recuperar influência, mas sabe-se que dificilmente conseguirá grandes avanços enquanto as decisões continuarem a passar pelas mãos dos cinco países agraciados com o crivo do veto em meio ao universo de 193 países que fazem parte da organização.
Maria Clara R. M. do Prado
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