quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Falar, calar

Hoje eu falo de silêncio. Eu, que amo as palavras, hoje fico nos espaços brancos e nas entrelinhas. Fico ausente, estou ausente embora de longe siga pelo milagre da tecnologia tudo o que acontece onde me leem neste instante.

Ausente presente como tantas vezes tantas pessoas.

Nas histórias que relato ou invento, hoje não me interessam tanto as tramas e os personagens: somos todos sombras que andam de um lado para o outro, aparecem e desaparecem em quartos, corredores, jardins. Caem de escadas, jogam-se no poço, naufragam como rostos ou ratos.


A mim seduzem palavras e silêncios, e jeitos de olhar. O formato de uma boca melancólica, ou o baixar de uma pálpebra que esconde o desejo de morrer ou de matar, ódio ou desamparo, hipocrisia, ah, o olhar sorrateiro, o estrábico olhar dos mentirosos.

A mim interessam as coisas que normalmente ninguém valoriza. Porque o real está no escondido. Por isso escrevo: para esconjurar o avesso das coisas e da vida, de onde nos vem o medo, que impulsiona como a esperança.

Nas relações amorosas, sou fascinada pela fração de segundo, o lapso mínimo em que os olhares se desencontram e a palavra que podia ser pronunciada se recolhe por pusilanimidade, egoísmo ou autocompaixão. E a cumplicidade se rompe e a gente se sente sozinha.

O caminho do desencontro é ladrilhado de silêncios, quando se devia falar, e de palavras quando melhor teria sido ficar calado: e a gente sabia, ah, sim, sabia. Pior: é ladrilhado de gestos que não foram feitos quando o outro precisava.

E no silêncio o peso da omissão, cumplicidade com o erro, se agiganta.
Lya Luft

Nenhum comentário:

Postar um comentário