Bolsonaro não tem mandato para abrir mão: perdeu-o para Lula ao tentar renová-lo em 2022. Pelos próximos oito anos não poderá ser candidato a nada, uma vez que foi condenado por abuso de poder econômico e político. Só lhe resta ser preso ou mergulhar à espera que a tempestade passe.
Nixon não foi preso porque deixou o cargo ao concluir que essa seria a melhor saída política para ele. Seu sucessor, o vice Gerald Ford, anistiou Nixon, retirando-lhe as devidas responsabilidades legais perante qualquer infração que tivesse cometido. Nixon morreu amargurado.
De certo modo, pelo menos nos Estados Unidos, o chamado “Escândalo Watergate” tornou-se um caso paradigmático de corrupção. No total, cerca de 69 pessoas foram indiciadas, com 48 delas, a maioria integrante do governo Nixon, sendo condenadas.
É cedo, por ora, para especular sobre o número de integrantes do governo Bolsonaro que poderão ser indiciados e condenados. Mas pelo andar da carruagem, ou melhor, do inquérito que apura o “Escândalo da Abin paralela”, esse número não será pequeno.
Durante o governo Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) esteve mais para Agência Brasileira de Intimidação. Sua inteligência foi usada para o mal, não para o bem do Estado de Direito Democrático. A dúvida é se ainda guarda resquícios disso.
Não se fala em Forças Armadas paralelas para distingui-las das oficialmente existentes que apoiaram Bolsonaro em todas as suas investidas para derrubar a democracia, apenas se dividindo na hora de dar o golpe para impedir a posse de Lula. O golpe acabou fracassando.
Não se deveria falar em Abin paralela. Enquanto esteve sob o comando do delegado Alexandre Ramagem, hoje deputado federal eleito pelo PL da dupla Bolsonaro-Waldemar Costa Neto, a Abin espionou adversários e aliados do governo, esses para chantageá-los se fosse necessário.
Bolsonaro nunca escondeu que queria uma Polícia Federal para chamar de sua. Como não pode fazer de Ramagem o diretor-geral da Polícia Federal, fê-lo diretor da Abin, caroneando o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional.
Antes mesmo de Ramagem assumir a Abin, Bolsonaro disse, em reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que dispunha de um sistema de inteligência “particular”. E criticou:
“Sistemas de informações: o meu funciona. O meu particular funciona. Os oficiais desinformam. Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”.
Trocou a marcha, apertou o acelerador com o pé e desabafou tresloucado:
“Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa”.
Em 22 de maio do mesmo ano, o segundo dele como presidente, depois que o vídeo da reunião foi tornado público por Celso de Mello, então ministro do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro correu a se explicar:
“O que é meu serviço de informações particular? É o sargento do batalhão do Bope do Rio de Janeiro, é o capitão do grupo de artilharia lá de Fortaleza, é o policial civil que tá em Manaus, é meu amigo que tá na reserva e me traz informação da fronteira.”
Era tarde. O mais distraído dos deputados federais sabia que algo se movia e que sua vida poderia estar sendo bisbilhotada. Nenhum ministro de tribunal superior sentia-se mais seguro para atender ligações telefônicas, a não ser por WhatsApp.
Na última quarta-feira, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra suspeitos de integrarem o esquema de espionagem da Abin – Ramagem foi um dos alvos. Ontem, o alvo principal foi o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero 3 do pai.
O meu Exército; a minha família; o meu Posto Ipiranga… Como autoridade número um do país, Bolsonaro achou que tudo lhe pertencia, que tudo estava a seu serviço, e que todos lhe deviam obediência. Triste fim. Mereceu. É só aguardar o desfecho.
Ao contrário de Nixon, não será anistiado.
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