quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

A força moral do perdão

Nossas famílias estão dilaceradas por disputas pessoais e divergências políticas. Que tal aproveitar o encontro de Natal e resgatar o espírito cristão?

Sempre me surpreendo como a mensagem cristã mais basilar, de amor ao próximo e perdão aos inimigos, pode ser soterrada e obliterada no discurso de alguns pregadores por cobranças prepotentes. O cristianismo do nosso dia a dia está muito mais preocupado em policiar e condenar condutas —sobretudo as sexuais —do que em compreender, amar e perdoar.

Isso, para mim, é o avesso da mensagem cristã. Tendemos a ser duros com quem nos ofende e complacentes com nossos erros. O amor aos inimigos e o perdão às ofensas exigem atuar em sentido contrário: evitar julgar o próximo e ser mais severo com nossos próprios equívocos.


Jesus não escondeu a essência de sua mensagem. Disse para perdoar não apenas sete vezes, como já não conseguia o impaciente Pedro, mas 70 vezes sete. Disse para fazermos o bem a quem nos odeia e que se alguém nos ferir a face ofereçamos a outra. Disse para não respondermos ao mal com o mal e nem a ofensa com ofensa. A mensagem dos evangelhos é muito clara: devemos perdoar, compreender e não responder o mal com o mal. É uma exigência moral elevada, difícil de sustentar, mas é um norte que deveríamos nos esforçar por perseguir.

O perdão é uma força moral pujante. Desorganiza e reorienta as relações viciadas. Muitas vezes estamos presos em ciclos de ódio em nossas relações pessoais —e na política também. Vivemos respondendo com cotoveladas às cotoveladas que recebemos, num ciclo longo de ofensa e resposta, cuja origem se perde no tempo. Cada lado acha que há uma ofensa primordial justificando as respostas, assim o ciclo se sustenta envolvendo os dois lados numa espiral crescente que faz mal a todos. Sempre que respondemos ao mal com o mal, aumentamos a quantidade de mal no mundo. O perdão interrompe unilateralmente esse ciclo. Não quer nada em troca, não pede reciprocidade, não exige reparação ou desculpas. É um ato de generosidade, uma grandeza d’alma que, pela força moral, desconcerta e reorganiza a relação entre as partes. O perdão cura. E o perdão transforma.

Quem já perdoou ou recebeu perdão, o perdão genuíno, sabe como ele desarranja, depois reorganiza, recupera. Quem conhece a história da independência da Índia ou do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos sabe como o princípio de não responder ao mal com o mal pode ser revolucionário —pode desfazer estruturas que toneladas de bombas seriam incapazes de demolir.

Quando era mais jovem, não conseguia compreender a mensagem cristã. Acreditava que o cristianismo celebrava a apatia e cultivava a submissão. Esses preceitos me pareciam simplesmente execráveis. Eu odiava aquela mensagem e não conseguia entender seu apelo.

Só muito tempo depois pude perceber que, onde achava que havia celebração da apatia, havia na verdade um compromisso moral inabalável, uma firmeza de caráter a toda prova. Onde enxergava submissão, opressão e humilhação vergonhosa, havia na verdade grandeza, generosidade e altivez. Às vezes a pressa da juventude nos faz surdos e só com a paciência do tempo aprendemos a escutar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário