quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Antissemitismo 2.0

Está sendo difícil acompanhar o noticiário da guerra em Gaza e, ao mesmo tempo, perceber a onda de antissemitismo que varre o mundo. Para nós, judeus e descendentes de judeus, o antissemitismo não é novidade; novidade é ver como está naturalizado. Até outro dia, pessoas antirracistas e defensoras de minorias tinham vergonha de se declarar abertamente antissemitas; não mais. Ser antissemita agora é cool, virou tendência.

Tento não ser paranoica e não ver um monstro em cada esquina. Tento acreditar que os pagodeiros que batucavam em São Paulo com bandeiras do Hamas, usando camisetas do Hamas, cantando slogans pró Hamas, não fazem ideia do que realmente seja o Hamas (ainda que não tenha ilusões quanto às pessoas que lhes forneceram tais camisetas e bandeiras).

Tento imaginar que as imensas manifestações nas grandes cidades cosmopolitas são de fato pró-Palestina, e não anti-Israel; mas é difícil. Não dá para ignorar os cartazes pregando o fim do povo judeu, nem deixar de perceber que boa parte dos manifestantes cobre o rosto à maneira dos terroristas do Hamas (e não do povo palestino em geral). Vários chegam a usar a faixa verde dos terroristas, com a clássica inscrição em árabe (o que está escrito é “Não há deus senão Alá, e Maomé é o seu profeta”).


Não dá para fazer a Pollyanna por muito tempo ao constatar que o Irã continua matando mulheres que não usam o hijab e não se ouve um pio de protesto; que a China continua dizimando os uigures e só há silêncio; que mais de 150 mil pessoas já morreram na guerra que a Arábia Saudita promove no Iêmen, ou que mais de 500 mil morreram na Síria, e quem se importa?

Quem foi aos Champs Élysées por elas, ao Times Square, à Cinelândia?

Não quero ser sommelier de manifestações, mas é difícil não juntar os pontos — e é difícil também não concordar com aqueles manifestantes que, sincera e genuinamente, sofrem pelo povo palestino e querem ver o fim da guerra.

Eles existem, e eu estaria entre eles se isso não me pusesse em tão má companhia.

* * *

A despeito do que venha a acontecer, o Hamas já ganhou a guerra da opinião pública. Não há ser humano que consiga absorver a violência em Gaza, dia após dia, sem um baque no coração. Diante do horror que sofreu, Israel deveria ter se recolhido e pensado com extrema cautela nos próximos passos, de preferência concentrando-se no destino dos reféns. Ao contrário, agiu exatamente como o Hamas esperava que reagisse. Xeque-mate.

Um país não pode lutar contra o terrorismo reagindo com o fígado. Países precisam ter cérebro, não vísceras, especialmente diante de um inimigo que cultiva o martírio de inocentes.

Fala-se muito da desproporção entre o poderio militar israelense e os recursos do Hamas, mas ela vai além de uma simples contagem bélica. O desequilíbrio não favorece Israel: não há exército que possa com fanáticos que almejam o paraíso (e dominam as redes sociais). Nada justifica que Benjamin Netanyahu ainda esteja no poder. O seu governo é uma praga bíblica, uma maldição que, pelo resto dos tempos, vai desafiar a compreensão do mundo.

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