quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Política criminosa de Netanyahu é derrota moral de Israel

É um sinal de que as coisas não andam bem no mundo do sionismo real quando vemos porta-vozes de Israel se desdobrando para tentar explicar a diferença entre o morticínio de crianças e civis provocado pelo Hamas e o morticínio de crianças e civis provocado por Binyamin Netanyahu.

Lembro-me aqui de atrocidades do socialismo soviético, vistas por intelectuais comunistas como efeitos colaterais da luta inarredável contra os inimigos da grande revolução. Eram claros os sinais, então, de que havia algo de podre no reino do socialismo real.

Já escrevi que Israel não é um Hamas às avessas, mas o país e seus aliados precisam querer manter essa diferença. Não borrá-la, no final das contas, a favor do antissemitismo e das desconfianças consideráveis que rondam a criação de um estado judeu na Palestina. A colonização acintosa da Cisjordânia é outro parafuso central dessa engrenagem ideológica que gira em falso.


Sob o fundamentalista e autocrático Bibi, o aperto metódico do cerco aos palestinos tem provocado reações expressivas mesmo na opinião pública judaica. A deriva radical e inescrupulosa para a extrema direita, que não poupa nem mesmo hospitais, vem erodindo o que restava de consenso moral em torno da defesa de Israel. Os tempos estão mudando e argumentos tradicionais estão em crise.

A "rua árabe" que se abriu no Ocidente, as periferias influentes do Sul Global e as desigualdades no coração do sistema chamam ao mínimo de realismo governos que dormitavam no piloto automático com Israel. Até Biden sentiu o bafo, baixou uma oitava em sua retórica, passou a falar em pausa humanitária no Vietnã de Bibi e agora aprovou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que basicamente repete a proposta brasileira, que estava na vanguarda, vetada por eu país.

O entendimento dessa guerra se inscreve no contexto de um anunciado "turning-point" da geopolítica internacional; ela é apenas mais um capítulo do rearranjo em curso das relações de força globais, a falada e perturbadora transição para um mundo multipolar.

As reivindicações que embasaram a defesa da criação do Estado de Israel são respeitáveis e se tornaram incontrastáveis depois do Holocausto e do histórico sinistro de perseguições que antecedeu a atrocidade nazista. Tudo então parecia fazer muito sentido para grande parte da opinião humanista do século 20.

Hoje, com a eternização do conflito, ganha mais projeção uma revisão historiográfica consistente do sionismo e de suas associações com o projeto colonialista inglês de criar um país judeu naquela parte do mundo. As evidências de que se procedeu a uma prévia limpeza étnica na região, entre outros episódios sombrios, são um segredo de polichinelo.

Bem, diante de tudo isso, caberia também perguntar: que Estado nacional não tem atrás de sua formação um rastro de violência? Guerras, colonialismo, escravidão, genocídios ou barbáries outras? O nosso querido Brasil? Os Estados Unidos? O Irã? La France? Por que Israel deveria ter uma história impoluta? Porque são judeus?

Na juventude intelectual, um filho de rabino chamado Karl Marx viu no seu ainda recente século 19 uma humanidade se debatendo com a pré-história. Eu adoraria ter nascido no futuro. Mas o que veria? Judeus e palestinos pescando e fazendo crítica literária no reino da sociedade sem classes? Ou o triunfo distributivo do capitalismo pós-financeiro numa pós-Los Angeles sem barracas nas ruas? Sabe-se lá.

Agora, Israel está perdendo a guerra que importa. Não será mais possível sustentar esse estado de coisas. Podemos esperar pelo milagre de uma mudança política profunda? Só me arrisco a dizer, neste final acaciano, que o caminho será longo e tortuoso.

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