A sala clara e ampla, entre as janelas translúcidas e as brisas do mar, define o ambiente. As Conferências do Estoril, A Future of Hope, aconteceram para a partilha e reflexão sobre ciência, tecnologia e esperança. O ambiente é sereno, sintonizado com a concentração necessária para ver e ouvir algumas das pessoas mais interessantes do mundo. A audiência espera pela conversa sobre Inteligência Artificial entre quatro cientistas: Aaron Ciechanover, bioquímico, Prémio Nobel da Química em 2004; Anindya Ghose, professor de Análise Económica na New York University’s Stern School of Business; Ricardo Gil da Costa, neurocientista e fundador da Neroverse; Chen Zhiyu, presidente da Metro da China, com a moderação de Leid Zejnilovic da Nova SBE.
O futuro está a acontecer, diz-se. E estamos todos convidados. Para o Nobel de Química, a questão é: “Porque precisamos uns dos outros? Estarmos juntos, é fundamental para a natureza humana? Responde, o cientista israelita de 75 anos: a sociabilização é fundamental para a Paz no mundo. Sem empatia, não há Humanidade.
Para Ricardo Gil da Costa, neurocientista formado nos Estado Unidos da América, a IA é uma ferramenta, com vários métodos diferentes. A IA pode ser eficaz e uma tecnologia muito importante ao serviço da humanidade, mas só se o seu desenvolvimento for feito de uma forma pensada, planeada e devidamente estruturada. Se a integração for feita sem precauções, as consequências da utilização desta ferramenta tão poderosa, podem ser devastadoras. A IA pode contribuir para a eficácia e para a justiça da humanidade e ser um recurso, tal como todos os outros, a ser utilizada de forma democrática. Por exemplo, ser utilizada em telemedicina em regiões pobres do mundo, é uma forma de ajudar a essa democratização. Se a IA pode salvar o mundo, essa é outra questão.
Para Ricardo Gil da Costa, nós podemos destruir o mundo, com ou sem IA. Não é a IA que determina a nossa ação. Somos nós. A IA não é mais eficaz que o cérebro humano. O facto de não ter emoções é uma das falhas. Mas não se deve comparar um sistema biológico com um sistema tenológico. Não deve ser acontecer. Não há comparação, acrescenta Gil da Costa. Não se deve perder a liberdade de pensar. A IA nunca deve pensar por nós. É uma questão central ética.
O segundo romance de Margaret Atwood, Ressurgir (Relógio d’Água, 2014) é, supostamente, uma viagem à procura do pai. Torna-se num encontro bruto com a sobrevivência da Natureza. Escreve a autora canadiana:
“O embaraço que algumas pessoas sentem por serem alemãs, pensei, eu sinto-o por ser humana. Em certa medida era estúpido ficar mais perturbada com a morte duma ave do que com aquelas outras coisas, as guerras e os tumultos e os massacres nos jornais.”
Em 1972, quis a romancista escrever sobre a consciência de que, ao matar-se uma ave, morre também o Planeta Terra. É dessa premonição que, à partida é “apenas” literatura, que nos fala António Damásio. Em entrevista ao jornal Público, em 2017, diz o neurocientista: “Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre, respondo: na minha área é Shakespeare.”
No livro Sentir e Saber (Temas e Debates, 2020) dá conta da importância dos sentimentos para a espécie humana, enquanto mecanismo essencial de sobrevivência, e acima de tudo, de evolução. Se os criadores da IA se baseiam em organismos vivos naturais para melhor eficácia da tecnologia, para Damásio, os cientistas omitiram os sentimentos. Enquanto a IA não for vulnerável à dor, ao frio, ao terror e à fantasia, não será IA suficientemente inteligente. Apenas simula. Não pensa. E sem alegria, não há poesia. Sem poesia, não há consciência. A consciência é a última fronteira entre a Máquina e a Humanidade?
Por coincidência, a autora e compositora Bjork veio a Lisboa, para apresentar a digressão Cornucopia. Em cada canção, em cada cenário, em cada tom, sublinhou a importância da tecnologia como ferramenta essencial para o combate às alterações climáticas. A IA pode ajudar à salvação? A criação artística é também uma construção dessa salvação? É também uma consciência em si? A Arte torna-se uma intrusa ao procurar soluções, por essa consciência feita de invenções. O desafio é aliar natureza, ciência e imaginação. Em perpétuos movimentos e efémeros presentes, para criar futuros de vida.
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