Cada vez que sofro uma experiência desagradável – indo a sítios onde nunca iria se desse ouvido aos meus próprios conselhos – dizem-me estas palavras: “Pelo menos saíste da tua zona de conforto.”
Dizem-me estas palavras, note-se, como se fosse uma coisa boa sairmos da nossa zona de conforto (ZDC).
Mas será? Cada vez mais sinto uma necessidade feroz de proteger a minha zona de conforto. Só eu sei o tempo e o esforço que levou a encontrar e a construir a minha ZDC. Ainda me lembro de como era a vida antes de ter uma ZDC para a qual podia fugir. Ainda tenho as mazelas.
É que a ZDC não é um mar de rosas – é um evitório. O que define a ZDC não é o que está cá dentro (a amada, o gato, livros e conhaque, música e silêncio), mas o que fica de fora, um pouco como a Zona Verde de Bagdad.
O que fica fora da ZDC é fácil de definir: é tudo aquilo (e todos aqueles) para que me falta a paciência, o apetecimento e a santidade para aturar.
O caracol anda com a ZDC às costas e, se lhe perguntarmos o que é que tem de especial, dirá: “Nada, mas é minha, e posso enrolar-me lá sempre que quiser.”
Dizer que nos faz bem sairmos da ZDC esquece um pormenor fundamental: antes de construirmos a nossa ZDC estávamos sempre fora da nossa ZDC, tanto mais que foi a experiência de estarmos fora da nossa ZDC que nos levou a construir uma ZDC in the first place.
Nenhum animal sai da ZDC a não ser obrigado. A não ser o animal humano: esse é o bicho-sereia que consegue convencer os outros bichos a fazer o contrário do que lhes apetece.
“Ah”, dizem os modernos, “Não gostaste? Mas assim aprendes a dar valor à tua ZDC.”
Mas eu já dou valor à minha ZDC. Uma pequena pista: passo lá a vida. Por alguma razão deve ser.
O que vale é que descobri por que é que estes chatos estão sempre a convidar-nos para sair da nossa ZDC.
É para nos convencer a entrar nos infernos que são as ZDC deles.
E de onde eles nunca saem, está quieto. A não ser para nos aliciar.
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