quarta-feira, 28 de junho de 2023

Pesquisa revela a relação entre empresas e militares durante ditadura

Ditaduras são associadas à violência verde-oliva. De fato, foram militares que assassinaram Victor Jara no Estádio Nacional de Santiago e arremessaram estudantes argentinos no Rio da Prata, nos “Voos da Morte”. Mas sem apoio de parte da imprensa, empresários e sociedade, nenhuma ditadura emerge – é um acordo entre elites. Se no Brasil, nem membros das Forças Armadas foram julgados por seus crimes, a participação do empresariado é um esquecimento cultivado em silêncio. Um grupo de pesquisadores, porém, tenta desvendar esse passado.


A pesquisa “A responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura” é uma parceria entre o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF/Unifesp), o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo e mergulha nas atividades repressivas em grandes corporações como Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Aracruz, Folha de S. Paulo, Petrobras, Fiat e Itaipu. Os primeiros resultados desse trabalho começaram a ser publicados pela Agência Pública no último dia 16 de junho.

José Silva Tavares foi um ex-guerrilheiro cooptado pelo regime que agiu infiltrado em células da ALN – Aliança Nacional Libertadora. Com suas informações, a ditadura prendeu e matou o jornalista Joaquim Câmara Ferreira, o “Toledo”, sucessor de Carlos Marighella no comando do grupo revolucionário. Como prêmio, sua ficha foi limpa e ele ganhou um emprego na Fiat. Segundo os documentos, a empresa italiana colaborou com os fardados mantendo agentes em seu sistema de segurança.

Na refinaria da Petrobras em São Francisco do Conde, interior da Bahia, um alojamento para funcionários se transformou em um centro de torturas. O Exército e a estatal teriam investigado mais de 3 mil funcionários e indiciado mais de 700, considerados subversivos. Numa época em que os trabalhadores realmente se organizavam em sindicatos, sindicalistas eram pessoas perigosas e eram monitorados pela polícia com anuência da empresa.

Todo esse trabalho foi possível após um acordo entre a Justiça e a Volkswagen, que pagou cerca de 36 milhões de reais para reparação das vítimas. Parte desse valor banca o projeto, entre outras ações de para provocar a memória do país. Ele atende a uma brecha da Comissão Nacional da Verdade [CNV] que não desenvolveu a relação capital-farda em seu documento final.

A Argentina, que levou seus militares aos bancos dos réus – como se pode ver no filme “1985” – já se debruçou sobre o tema e obteve resultados tímidos, com julgamento de um empresário de ônibus condenado pela morte de um sindicalista. Há um bom livro: Cuentas pendientes. Los cómplices económicos de la dictadura (Contas Pendentes – Os Cúmplices Econômicos da Ditadura), do jornalista Horacio Verbitsky e do advogado Juan Pablo Bohoslavsky, lançado em 2013.

Um documentário seminal sobre o envolvimento de empresários na repressão é Cidadão Boilesen (2009), dirigido por Chaim Litewski. O filme narra a participação ativa de Henning Albert Boilesen, presidente do Grupo Ultra, da Ultragaz, na organização e financiamento – passando o chapéu junto a outros empresários – da Operação Bandeirante, que se transformaria no DOI-CODI, uma máquina estatal de moer gente.

Edson Telles Teles, coordenador do estudo e professor da Unifesp, recorda em entrevista à Pública que a Lei de Anistia é direcionada a indivíduos, não para empresas. E graves violações aos direitos humanos são imprescritíveis. Quem sabe seja o caminho para uma reparação histórica. No Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, 26 de junho, é um alento.

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