Comparando a história política de nosso infeliz continente nos últimos 80 anos com a história dos países ocidentais mais bem sucedidos, não é possível fechar os olhos para as diferenças. Enquanto por lá surgiram homens como Roosevelt, Churchill, De Gaulle, Adenauer, Mitterrand, Kohl, Kennedy, por aqui a galeria é quase sempre sombria: Getúlio, Peron, Fidel Castro, Pinochet, autocratas impiedosos e obscurantistas que envenenaram nossa cultura política e deixaram marcas profundas em nossas instituições, pois seus fantasmas ainda vagam impunes entre nós.
Tivemos é claro nossos interlúdios democráticos, os quais introduziram na vida do país elementos civilizatórios. Agora parece que, pelo menos aqui no Brasil, estamos imunizados contra as tentações autoritárias, embora nossas instituições pareçam ainda funcionar de um modo desajeitado, resultado de uma cultura política que contém muitos traços de uma lógica autocrática.
Neste momento vivemos no pior dos mundos. Nossas instituições estão funcionando no limite da desordem e como resultado o Estado está caminhando para uma espécie de paralisação. Os Poderes estão se movendo em desarmonia, cada qual numa esfera própria, sem qualquer sinergia. Tanto nossa sociedade como nossa economia não estão acostumadas a funcionar sem o Estado. Isto provem de uma forte herança cultural, pois no Brasil o Estado é anterior à sociedade e sempre vivemos sob o manto de uma autoridade centralizada. Quando o Estado se ausenta ou deixa de ter uma liderança ativa e clara, sociedade e economia entram num certo modo de dormência. É onde estamos neste momento. Ninguém sabe onde está o Estado: no Governo, na Câmara, no Senado, ou no Supremo?
O Parlamento invadiu áreas que são próprias do Governo e mantem uma agenda paralela, construída no improviso. O Judiciário invade sistematicamente as competências do Legislativo e se arroga uma autoridade normativa que não tem e é incompatível com o regime democrático, onde só a vontade da população tem o poder de fazer as leis. Inventamos um regime tricameral. Diante desta realidade o Governo parece ter desistido de uma agenda transformadora e reduz a Presidência da República à mera gestão de poder político, indiferente às questões estruturais de longo prazo e às mudanças institucionais. Estamos em um universo em desordem.
Este é um estado de coisas que não pode perdurar por muito tempo. Um país ferido como o nosso, que está se atrasando em relação ao resto do mundo e cuja população está cada vez mais pobre e sem expectativas, não pode viver de crise em crise. Estamos nos encaminhando perigosamente para um beco sem saída, embora uma liderança esclarecida e generosa sempre possa iniciar uma reação, porque há reservas de racionalidade no interior de toda sociedade.
Este teria sido o papel do Presidente Lula. Eleito pelo voto de um universo bastante heterogêneo, que incluiu amplos segmentos da opinião pública brasileira não identificados com a velha agenda e com o modo de governar do Partido dos Trabalhadores, ele poderia ter optado por um governo plural, modernizante e pacificador. Pela sua idade e pela experiência adquirida em dois governos era legitimo que se esperasse dele essa grandeza. Seu governo, no entanto, tem sido o contrário de tudo isto.
Lula não percebeu, ou não aceitou, a nova correlação de forças na sociedade e no sistema político. Por meio de escolhas, de gestos e de palavras a cada dia deixa mais claro que não se conforma com as mudanças nos sentimentos da população. Se governar para todos e com todos significa renunciar às suas velhas crenças e às lealdades do passado, prefere não governar.
Infelizmente, é apenas isto o que nos espera.
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