domingo, 11 de junho de 2023

Lutar para respirar

Na tarde de sexta-feira, Greta Thunberg se plantou pela última vez em frente ao Parlamento sueco, em Estocolmo, empunhando o mesmo cartaz de seus últimos cinco anos de ativismo: Skolstrejk för Klimatet, ou “greve estudantil pelo clima”. Era seu derradeiro dia de escola, interrompera os estudos por mais de um ano para rodar o mundo em defesa do clima e agora, aos 20 anos de idade, passava o bastão da militância adolescente para novas gerações.

Thunberg não é mais a atrevida pirralha de tranças que, com pouco mais de 15 anos, passou a ser ouvida em constrangido silêncio pelos adultos do poder mundial. “Vocês não são maduros o suficiente para falar a verdade [sobre a extensão da crise climática]”, admoestou diplomatas e negociadores presentes à COP24 na Polônia, em 2018. No ano seguinte, em Davos, escoriou a nata dos que acorrem anualmente ao encontro para sentir-se importantes, com um: “Vocês precisam agir como se a casa estivesse pegando fogo, porque ela está”. Tinha razão a pirralha assumidamente autista que deu escala global e amplitude geracional ao movimento em defesa do clima. A casa está pegando fogo.


O planetinha de fato está a arder. Ano após ano, chamas selvagens destroem vastidões cada vez maiores, atravessam fronteiras e tornam mais tóxico o ar que respiramos. Um historiador e professor da Universidade do Arizona, Stephen J. Pyne, especializado em meio ambiente e na História do fogo, chegou a criar um termo para essa escalada: pirocênio.

Nesta semana foi a vez de a Costa Leste dos Estados Unidos sentir nos olhos, pulmões, narinas e boca as consequências da fumaça cuspida por incêndios florestais no Canadá. Por um dia, foi como se um espesso cobertor de partículas acres tivesse coberto a cidade de Nova York, que chegou a ultrapassar a capital da Índia, Nova Délhi, em péssima qualidade do ar. Respirar deixou de ser banal. “Senti a garganta como se tivesse engolido um bombom de carvão”, escreveu David Wallace-Wells, autor do inquietante “A terra inabitável”, sobre aquecimento global.

Apesar de o verão ainda não ter começado no Hemisfério Norte, a província canadense do Québec, sozinha, já registrou mais de cem incêndios florestais fora de controle. Mais de 90 milhões foram afetados pelos gases tóxicos respirados, uma vez que não existem muros nem barreiras capazes de evitar o tráfego aéreo das partículas abrasivas. Segundo Wallace-Wells, 60% da fumaça poluente gerada por incêndios na Costa Oeste dos EUA afeta quem mora fora dos estados em chamas. Isso vale para o resto do mundo. Que morador de São Paulo não lembra a sinistra escuridão que envolveu a cidade numa tarde de agosto de 2019, e novamente em setembro do ano seguinte, proveniente de queimadas na Amazônia e no Pantanal? Parecia prenúncio de apocalipse. Com um agravante trágico em relação aos incêndios no Canadá ou na Califórnia: mais de 80% das queimadas e incêndios florestais brasileiros são intencionais, obra de predadores brasileiros, gente de carne e osso, mas desprovida de um pensar minimamente coletivo.

Pastos, fazendas improdutivas, mineração selvagem, madeireiras ilegais, exploração de terras indígenas — os agentes destrutivos de nossos solo, floresta e ar são conhecidos. Por isso mesmo, pelo menos em tese, também mais fáceis de cercear que os horrendos incêndios naturais do “Verão Negro” australiano de 2019/2020.

Naquele ano, um céu apocalíptico tragou a cintilante Baía de Sydney. As mundialmente imaculadas praias do sudeste do país se viram transformadas em pontos de evacuação para refugiados do fogo. Mais de 8 mil integrantes da Defesa Nacional Australiana, em conjunto com 76 mil voluntários do Corpo de Bombeiros Rurais, não deram conta dos 15 mil incêndios que arderam durante seis meses. Um apanhado conservador daquela tragédia fala em pelo menos 3 bilhões (sim, com b...) de animais mortos e 100 mil colmeias de abelhas destruídas. A saúde dos rios, lagos, bacias e parques nacionais do país passa por reavaliações constantes desde então.

Seguiram-se anos de investigação e pesquisa até o governo elaborar um relatório que oferece estratégias para qualquer nação interessada em combater incêndios florestais naturais. Também a ONU se debruçou sobre o tema. Em relatório elaborado por mais de 50 especialistas globais, a entidade prevê aumento de 30% no número de incêndios extremos até 2050.

Contra incendiários de biomas para proveito próprio, contudo, o único remédio ainda é o antigo: vontade política dos governantes, aplicação rigorosa da lei e pressão da sociedade. “Não creio que as mudanças de que precisamos virão dos que detêm o poder”, disse Greta Thunberg em entrevista a Wallace-Wells. “Isso terá de vir de fora, quando um número suficiente de vozes exigir a grande mudança.”

Acorda, Brasil, o mundo precisa de ar.

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