domingo, 11 de junho de 2023

Aqui jaz o Brasil

Os números são indecentes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala de um passivo de 14 mil obras inacabadas. Sem os exageros ditados pela conveniência do petista, o Tribunal de Contas da União aponta 8.603 empreendimentos abandonados, 41% das 21 mil obras públicas existentes no país. Sob qualquer ótica, o balanço indica uma realidade inconteste: o Brasil é um cemitério de obras públicas. Enterra dinheiro do pagador de impostos e perpetua a pobreza enquanto irriga votos e enche os bolsos dos privilegiados de sempre.

Parte significativa do estoque de obras paradas tem origem no Programa de Aceleração do Crescimento, criado por Lula em 2007, e que ele pretende reeditar.


Coordenado à época pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que Lula apelidou como “mãe do PAC” para embalar a vitoriosa campanha dela à sua sucessão, a iniciativa teve baixíssima execução. No primeiro biênio, alcançou apenas 9,8% de obras concluídas e mais de 60% dos projetos nem mesmo saíram do papel, de acordo com a ONG Contas Abertas. Em 2016, quase 10 anos depois, o PAC sucumbia com menos de 17% de empreendimentos terminados dos 29 mil previstos. Naquele ano, o TCU informou que o número de obras públicas paradas batia em 14 mil, o mesmo que Lula diz ter hoje à sua frente.

Lula tem insistido que concluir obras é uma das prioridades de seu governo. O ex Jair Bolsonaro batia no mesmo bordão. E nada. Herdou cerca de 8 mil esqueletos e adicionou mais 600, muitos deles oriundos de emendas parlamentares do orçamento secreto. Há casos, como os denunciados pelo jornal O Estado de S. Paulo, de lançamento de pedras fundamentais para erguer novas creches ao lado de escombros abandonados de construções de prédios escolares.

Em meados de março, Lula 3 lançou um aplicativo para auxiliar no mapeamento de obras paralisadas. Em maio, editou Medida Provisória com investimentos de R$ 4 bilhões para concluir mais de 3,5 mil escolas e creches inacabadas, parte delas com estruturas em estado avançado de degradação ou apenas um terreno baldio já sem sinal nem mesmo da terraplanagem.

Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória que reestabelece o Minha Casa, Minha Vida, lançado por Lula em 2009 e destroçado por sua sucessora. Na era Bolsonaro, o programa foi substituído por um arremedo batizado de Casa Verde-Amarela, acentuando os erros da proposta original: conjuntos de péssima qualidade construtiva erguidos em regiões periféricas dos centros urbanos, sem transporte, água e esgoto.

Pelo menos no papel, a nova versão tenta corrigir essas falhas. Inclui financiamento para infraestrutura, permite adequações e reformas em imóveis usados e – ufa! – prevê a conclusão de obras já iniciadas. Ainda que não exista risco de rejeição, mais uma vez o governo descoordenado tem pressa: a MP tem de ser votada celeremente no Senado, e sem emendas, na quarta-feira, dia 14, sob pena de caducar.

Ainda que existam boas intenções – e os governos sempre dizem tê-las -, elas esbarram na morosidade da execução. Não por ausência de competência técnica ou de recursos, mas no troca-troca da política. Agora, a escolha de que obra será tocada e o ritmo de cada uma delas serão ditados pelas eleições municipais de 2024. Depois, por 2026.

Muitos políticos vão continuar preferindo escolas ou postos de saúde novos à conclusão de obras iniciadas pelo adversário local; governantes prosseguirão na ação insana de recomeçar do zero projetos de administrações anteriores.

Um dos ícones do desperdício é o trem-bala entre São Paulo e Rio. O projeto iniciado em 2007 teria consumido mais de R$ 1 bilhão até 2013, quando foi abandonado por Dilma. Dele, restou a Empresa de Planejamento e Logística, estatal criada para pôr a megalomania nos trilhos, e que, acintosamente, continua pendurada nos cofres públicos com previsão orçamentária de R$ 83 milhões para este ano. Lula 3, dizem, pretende retomar a ligação férrea, orçada em módicos R$ 50 bilhões.

Outro caso bastante ilustrativo é a ligação Santos-Guarujá. Uma travessia cuja balsa já foi substituída por viaduto de quatro pistas, túnel de seis pistas, viaduto de novo, túnel de novo. Cada governo, nova ideia e novo dispêndio. A briga agora é entre o ministro dos Portos, Márcio França, e o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. Enquanto isso continuam as balsas e as filas.

Sem contabilizar os prejuízos de projetos que sequer deixaram as gavetas, o TCU informa que R$ 8,2 bilhões foram enterrados nos esqueletos de obras públicas paradas. Seriam necessários R$ 32,2 bilhões para ressuscitá-las. Sem dar cabo a esses fantasmas vem aí um novo PAC.

Mais obras serão iniciadas e abandonadas, outras tantas nem vão sair do papel; mais placas vão ser fincadas pelos interesses eleitorais. Pela lei, as placas têm de expor o custo da obra e a data de conclusão. Nas milhares inacabadas seria didático incluir o epitáfio: aqui jaz o Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário