Naquele dia, ele sentiu na pele o que já havia apreendido após a mudança para o país asiático, onde vive há nove meses: o profundo respeito que os chineses nutrem pelos profissionais da educação, em especial, professores universitários. No Brasil, ao entrar em um táxi ou carro de aplicativo trajando terno e gravata, o motorista provavelmente perguntaria se ele era advogado, executivo de empresas ou político.
“A China revelou-se para mim e para minha família uma sociedade muito educada, são acolhedores, gentis”, disse Nússio em conversa com a coluna. “Estamos aprendendo sinais importantes da cultura chinesa: um deles é o respeito ao professor universitário”.
Segundo o professor, que é engenheiro agrônomo de formação, esse respeito às vezes soa excessivo, mas está relacionado com princípios que a China segue, como o de que “uma pessoa sábia tem valor na sociedade”.
O professor é uma figura tão respeitada na China, que Mao Tsé-Tung, líder da revolução chinesa e fundador da República Popular da China, declarou ao jornalista americano Edgar Snow, em 1965, que passara a deplorar o culto à personalidade. Disse que todos os títulos concedidos à sua pessoa deveriam ser erradicados, mas gostaria de conservar apenas um: o título de “professor”.
É fato que durante a Revolução Cultural na China, nos anos de 1960, sob a liderança de Mao, o governo fechou universidades, exilou professores e queimou livros. Mas essa página foi virada, e a realidade atual deveria inspirar o Brasil, que vivencia o outro extremo na educação.
Na semana passada, brasileiros assistiram perplexos às cenas em que um adolescente de 13 anos matou a facadas uma professora da escola estadual Thomazia Montoro, em São Paulo.
Não foi um caso isolado. Um levantamento de pesquisadores da Unicamp e da Unesp mostrou que a média de ataques a escolas que era a cada dois anos, passou a ser mensal.
Num ambiente de violência que se agravou com a pandemia, a maioria das escolas públicas agoniza com estrutura deficiente, salários humilhantes e ausência de assistência psicológica. Nesses locais, alunos de famílias vulneráveis tendem a reproduzir o clima de agressividade que vivenciam em casa.
Espera-se que nesse momento de estreitamento dos laços do Brasil com a China, mais do que acordos comerciais, um saudável intercâmbio também viabilize mais troca de experiências na área de educação. Não apenas em conteúdo, mas no aspecto cultural, na valorização dos professores.
Luiz Gustavo Nússio coordena uma “joint college” entre a Esalq-USP e a China Agricultural University - duas das cinco melhores escolas de agronomia do mundo. Trata-se de uma pós-graduação em nível de mestrado, de dupla titulação, onde os alunos brasileiros e chineses recebem aulas em inglês de professores das duas nacionalidades. São duas linhas de pesquisa: agronomia e melhoramento de plantas, e administração pública ligada à agricultura.
O êxito da parceria entre a USP e a escola de agricultura chinesa levou o governo chinês, principal financiador do programa, a expandi-lo, de modo que as duas linhas de pesquisa devem se transformar em quatro a partir de 2024.
Num cenário de intensificação dos negócios na área de agricultura e pecuária entre Brasil e China, Nússio aponta a oportunidade e a estratégia do programa entre a instituição brasileira e a chinesa: “esse programa busca treinar pessoas para um ambiente qualificado no futuro, fazendo com que as negociações entre Brasil e China, especialmente na área de agricultura, possam ser melhoradas com a chegada de um pessoal que tem treinamento qualificado para esse ambiente”.
Em paralelo, outro projeto em funcionamento em Pequim reúne a Coppe - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a Universidade de Tsinghua, que mantêm o China-Brazil Center na capital chinesa.
Na semana passada, o acordo de cooperação entre as duas instituições, em vigor desde 2010, foi renovado pela quarta vez. Trata-se deu um acordo de cooperação científica e tecnológica, que envolve áreas como transferência de tecnologia, mudança climática, cidades inteligentes, mobilidade, entre outros. O enfoque para os próximos quatro anos é preservação de florestas, clima, bioenergia e bioeconomia.
Dois projetos se destacam: a criação de uma escola internacional para capacitação de profissionais na área de mudanças climáticas. E o desenvolvimento da cadeia do bambu, lembrando que o Brasil possui uma das maiores florestas dessa planta do mundo.
Nússio explica que o convênio entre USP e a escola de agricultura chinesa também implica a troca cultural. “A China e o Brasil se importam que o aluno seja qualificado tecnicamente em alto nível, mas querem que ele também consiga entender a outra cultura, e isso seja um facilitador, uma espécie de linguagem universal”, observou. Segundo Nússio, compreendendo a cultura, a gente tem facilidade de entender uma série de valores do outro lado”.
Em suma, Brasil e China têm uma pauta de acordos comerciais que talvez seja a mais profícua do mundo. Mas do ponto de vista de integração cultural, científica e acadêmica, ainda fazem pouco juntos. “A distância geográfica é um problema, mas quando brasileiros e chineses se conhecem, paulatinamente, vão entendendo que são países amigos e têm muito em comum”, concluiu o professor.
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