sexta-feira, 7 de abril de 2023

Quando o criminoso vai além do crime

Os crimes aberrantes devem ser recordados para que jamais se repitam. Evitar a repetição, porém, leva a investigar as origens, ir às causas, em especial as difusas e, por isso, diretas ou permanentes, pois, ao serem profundas, não são visíveis.

Refiro-me a dois crimes aberrantes perpetrados em São Paulo dias atrás, que permanecem atuais pela estarrecedora brutalidade em si.

Primeiro, em plena sala de aula, um menino de 13 anos assassinou a facadas uma professora de 71 anos e feriu outras três. Logo, como na sequência de um filme de terror, um juiz acorrentava a própria esposa para, a socos e bofetadas, obrigá-la ao ato sexual, num sadismo aberrante substituindo a beleza do erotismo amoroso.

Ambas as situações disputam a primazia do horror. No primeiro caso, os escabrosos detalhes levam a uma pergunta: em que sociedade vivemos para que um menino imberbe, ainda pré-adolescente, se transforme em requintado criminoso?

Sim, pois a morte a facadas é requintada em si, exigindo presteza manual e longos segundos para insistir na morte. Não é como um tiro, em que se aperta o gatilho e a bala faz o resto. A facada exige repetição contínua até chegar à morte.

Mais ainda: como um menino de apenas 13 anos pode ter acumulado desgostos e incertezas em condições de gerar ódio e despertar a maldade de Caim que levamos dentro de nós?

Trata-se de um caso patológico, de um surto psicótico, dirão todos. A patologia assassina, porém, não nasce ao acaso. Tem raízes profundas no dia a dia, crescendo nas invencionices e mentiras das chamadas redes sociais e naquilo que mais ocupa nosso interesse, que é a televisão. Após o trabalho diário, é a TV que nos dá lazer e descanso, mas nela somos levados a um mundo de violência. As séries televisivas (ou até as novelas com excelente dramaturgia) exibem traições e tiros, e, mesmo com o triunfo do bem, o desenrolar violento passa a habitar nosso inconsciente.


Nada, no entanto, supera a bala de prata para matar lobisomens e monstros do tipo. A carga tributária no Brasil está em 33,9%. Usando as palavras de Tebet, “para agradar a todos”, em níveis federal, estadual e municipal, será preciso aumentá-la para mais perto de 40%. Ela tem razão, será uma bala de prata no coração do cidadão brasileiro. E, como dizia Bilac: “Criança! não verás país nenhum como este”. Nenhum país do mundo tem uma carga tributária tão pesada, porque ninguém é capaz de suportála. A ministra do Planejamento pode planejar um belo discurso fúnebre para a nossa economia. Jorge Alberto Nurkin jorge.nurkin@gmail.com

São Paulo maldade dos vídeo jogos (que chamamos de video games, em inglês, numa violência verbal ao nosso idioma) em que ganha quem mata mais na tela do celular. A partir da tenra infância, isso se transforma num convite para matar de verdade na vida adulta, pois basta apertar o gatilho...

Trata-se da banalização da vida em forma contínua, por uma parte, e, por outra, de entronizar o assassinato como normalidade.

O caso do juiz sádico mostra, além de tudo, outra aberração que espalha seus requintes perversos sobre a sociedade. Pergunto: como pode um magistrado, que vai julgar os demais (definindo o certo e o errado), portar-se de forma aberrante na vida pessoal?

A exigência de vida “ilibada” não é privativa para a escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, mas recai logicamente na totalidade dos magistrados. Só assim o Poder Judiciário atenderá à sua verdadeira função.

Seria insólito que a sociedade tivesse de julgar o comportamento dos magistrados, mas é impossível deixar de aplaudir a decisão do Tribunal de Justiça de suspender das funções o juiz sádico.

A aberração não pode guiar a intimidade daqueles cuja função seja decidir sobre o comportamento da sociedade. Não se deve exigir que um juiz chegue à perfeição absoluta ou, menos ainda, que se transforme em pequena divindade. Não se pode, porém, admitir o oposto. A aberração é o crime dos crimes, ou a própria perversão da perversidade.

Existe, no entanto, um componente histórico na formação da violência na vida social e que, de fato, principia na infância da vida familiar. Pergunto: o que são, em verdade e no mais profundo de si, aquelas histórias infantis repetidas ao longo dos anos (ou até dos séculos...) que contam dos perigos do lobo mau que acaba comendo a indefesa vovozinha para quem a netinha levava deliciosos docinhos?

Não seremos nós mesmos que cultivamos a violência, até sem a perceber?

As histórias infantis estão abarrotadas (ou infestadas) de medo ou até de horror. Mesmo assim, são transmitidas de geração em geração. A transmissão do horror não pode ser encarada tal qual uma vacina que, ao ser aplicada, nos torna resistentes ao mal e, assim, nos livra da enfermidade que provoca.

A verbalização do horror acaba nos familiarizando com o próprio horror e, assim, o incorpora ao nosso cotidiano, como se fizesse parte da vida. No caso concreto do juiz sádico, as cenas filmadas com câmeras ocultas mostraram (na televisão) a repetição contínua da brutalidade, com a mulher submetida ao suplício.

Direta ou indiretamente, tratava-se da antessala do feminicídio, em que a mulher recebia o tratamento de coisa, não de gente, pelo fato único de ser mulher...

Nada, porém, supera em vileza e terror a tragédia de Blumenau (SC), onde um homem adulto, com uma machadinha, assassinou quatro crianças numa creche, num ato abjeto e inominável em que o criminoso vai além do crime em si.

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