sábado, 8 de abril de 2023

Massacres em escolas trazem muitas perguntas

Estou longe de ser um especialista na matéria, mas, por coordenar um grupo de pesquisa com integrantes que estudam este tema e por ter olhado mais de uma vez para as comunidades on-line que cultuam massacres, acho que tenho algo a compartilhar com os leitores. Abaixo, elenquei algumas perguntas que me faço sobre esse fenômeno sinistro. Agradeço a Michele Prado pela generosa interlocução.

A pergunta mais inquietante e mais fundamental é a seguinte: o que move adolescentes e crianças a cometer assassinatos em massa? A literatura acadêmica americana dá algumas pistas, se supusermos que aqui acontece algo parecido com lá: os agressores normalmente — mas nem sempre — têm problemas mentais, de tipos diversos, e enfrentaram um período recente de forte adversidade social (bullying, desemprego ou humilhação) ou agravamento de sua condição psicológica.


Isso dá o contexto, mas, obviamente, não explica o que ocorre. Não é de hoje que adolescentes sofrem bullying e enfrentam problemas psicológicos, mas só de uns anos para cá alguns respondem a essas situações planejando e executando massacres.

É bastante perturbador ler o que os agressores têm a dizer, mas nessas mensagens publicadas em fóruns e mídias sociais talvez se encontrem pistas para responder à pergunta. Ao lê-las, duas coisas me chamam a atenção.

A primeira é o sentimento de onipotência na idealização dos massacres. O adolescente que executou um tio e sete colegas numa escola em Suzano, em 2019, passou mais de ano escrevendo uma espécie de diário no Twitter. Nos tuítes, ele se imagina entrando armado na escola e exercendo um poder de vida e morte sobre os colegas, como um Deus. É profundamente desconcertante a desumanização das vítimas nessas postagens.

A segunda coisa que chama a atenção é a busca de reconhecimento, uma espécie de redenção, de salvação por meio do crime mais abjeto. Muitos agressores participam de comunidades virtuais com outros jovens que cultuam massacres passados. De certa forma, ao cometer um crime pavoroso, eles saem da condição anônima de jovens rebaixados, se inscrevem nessa história de assassinos célebres e conseguem o reconhecimento que tanto procuram. Por meio de um expediente criminoso, conseguem se fazer ouvir e externar sua dor — infligindo uma dor imensa às vítimas e a suas famílias.

Acredito que a busca de reconhecimento pelos pares deve ser o que faz com que os atentados aconteçam em escolas (e não em centros comerciais ou noutros locais públicos). Querem se comunicar com e impressionar outros adolescentes — e não nós, os adultos. Os ataques a creches parecem ser uma derivação puramente casual. Em Saudades (SC), em 2021, um rapaz de 18 anos pretendia cometer um massacre na escola em que estudava, mas achou que poderia não conseguir enfrentar os adultos que trabalhavam lá. Optou por atacar uma creche onde as vítimas eram mais indefesas. Assassinou duas professoras e três bebês. O agressor da creche em Blumenau provavelmente se inspirou no crime bárbaro que aconteceu dois anos antes em seu estado.

Algo que deveria nos preocupar bastante é a velocidade com que esse tipo de atentado está escalando no Brasil. Em duas décadas, entre outubro de 2002 e janeiro de 2022, aconteceram 11 atentados com vítimas em escolas. Nos últimos 14 meses, já são 12. Estamos ficando perigosamente próximos dos Estados Unidos, onde o problema é crônico. Temos quase tantos atentados com vítimas no Brasil hoje quanto os Estados Unidos tinham em 2016, quando eles explodiram por lá.

Mais da metade dos atentados no Brasil deixou traços digitais que nos permitem vinculá-los às comunidades on-line que cultuam massacres. Algumas dessas comunidades parecem ser organizadas por adultos — não conseguimos determinar isso com certeza, porque são anônimas. Um desses que parecem ser adultos escreveu certa vez que poderia ser preso, e seu canal fechado pela polícia, mas que tudo seria em vão, porque há uma realidade subjacente de sofrimento e opressão que é a verdadeira causa destes atentados.

Essa ponderação cínica de um instigador adulto me perturba — talvez porque ele pareça ter alguma razão. Não sei bem o que tem causado tudo isso, mas obviamente estamos falhando enquanto sociedade. Para mim, é bastante claro que não se trata apenas de distúrbio psicológico dos agressores, mas de uma moléstia social do nosso tempo.

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