sábado, 8 de abril de 2023

Enzo, Larissa, Bernardo...

Na manhã da última quarta-feira, Bernardo, de 4 anos, se espreguiçou na cama pela última vez. Enzo, também de 4 anos, vestiu pela última vez o uniforme. Outro Bernardo, de 5, tomou seu último café da manhã. Larissa, de 7, se penteou — e foi a última vez que se viu no espelho.

Todos eram filhos únicos. E que filho não é único?

Dali a pouco estariam mortos, diante de outras crianças feridas, em choque, e de professoras atônitas.

Essa deveria ser a notícia. Esses, os nomes a ser lembrados.

Mas há outro personagem — que também se espreguiçou pela manhã, se vestiu, deve ter tomado café e se olhado no espelho. E que continuará a fazer isso todos os dias. Por algum tempo, dentro de uma cela; logo, muito antes que Larissa, Enzo e os xarás Bernardos pudessem saber o que é estar apaixonado e ter sofrido a primeira dor de amor, esse personagem estará de volta às mesmas ruas que Enzo, Bernardos e Larissa nunca mais pisarão.


Sete anos antes da manhã em que se armou e ligou a motocicleta, o sem nome foi preso por uma briga. Dois anos antes de pular o muro da creche, esfaqueou o padrasto. Nove meses antes de caminhar por entre os balanços e escorregadores, havia sido detido por posse de cocaína. Quatro meses antes de se lançar sobre nove crianças, a vítima de seus golpes fora um cachorro.

Em pelo menos quatro oportunidades, poderia ter sido afastado temporariamente da sociedade. Tratado, se sofresse de algum transtorno. Reeducado, em caso de desajuste. Acolhido, se vítima de um histórico de abandono. Sabe-se lá quantas vezes terá dado sinais de comportamento agressivo. E quantas chances de evitar que sua violência atingisse Bernardos, Larissa e Enzo foram perdidas.

Os meios de comunicação que levam o jornalismo a sério tornaram mais cuidadosa a divulgação desse tipo de crime. Não há fotos do assassino. Seu nome nem sequer é mencionado. Ao contrário da notoriedade que certamente almeja, terá a ignomínia — a perda do nome, o anonimato.

A cada atentado — em Caraí, Ipaussu, Medianeira, Morro do Chapéu, Janaúba, Santa Rita, São Caetano do Sul, Rio de Janeiro — debate-se o (urgente, necessário) controle de armas de fogo. Mas não há como limitar o uso de armas brancas, paus, pedras, álcool, fósforos. O problema está na motivação por trás da mão que ataca, não naquilo que a mão carrega. Está na indiferença de parentes e amigos diante dos alertas, na inoperância da polícia, na leniência da Justiça, na inexistência de um sistema eficiente de saúde mental, na falência do Estado em prover educação, segurança, assistência social.

Cada tragédia como esta — em Blumenau, São Paulo, Aracruz, Barreiras, Saudades, Suzano, Goiânia — é pretexto para que se retome a rinha politiqueira, a troca oportunista de acusações (“Faz arminha!”, “Faz o L!”). Como se a defesa da vida, a condenação da impunidade, a proteção ao cidadão fossem monopólio deste ou daquele partido.

Quem perde pai ou mãe torna-se órfão. Não há palavra para designar quem perde o filho. Desde quarta-feira, o Brasil tem os órfãos reversos de Enzo, Bernardo, Larissa — como já tinha os de Selena, Juan Pablo, Ana Clara, Kaio, João Pedro, Sarah, Anna Bela, Samira...

E mais um assassino inominável. Que em breve será outra prova viva da cegueira da Justiça.

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