Seria interessante saber se o robô, chatbot para os íntimos, saberia escrever em um estilo datado de ficção, levando em conta, por exemplo, um imaginário alimentado por séries de TV dos anos 1960. Tudo por aqui chegava atrasado.
A primeira experiência pública, em larga escala, de um dispositivo com capacidade de gerar conteúdo e propor a solução de problemas teve lançamento mundial no fim de novembro. O primeiro teste da Folha foi pedir ao chat duas reportagens hipotéticas: a vitória do Brasil sobre a França na final da Copa do Qatar e, algo ainda mais improvável, a posse presidencial, respondendo se Jair Bolsonaro passaria a faixa para Luiz Inácio Lula da Silva.
O relato do jogo obtido é tão escolar que Neymar é chamado de Neymar Jr.. “A equipe brasileira comemorou sua vitória com alegria, sendo saudada por milhões de torcedores em todo país.”
A frase só perde em ingenuidade para a do artigo seguinte: “O atual presidente, Jair Bolsonaro, esteve presente na solenidade e passou a faixa presidencial para seu sucessor, demonstrando respeito ao processo democrático e ao cargo que ocupa“.
Qualquer jornalista em início de carreira seria cético em relação a Neymar e Bolsonaro, que, por sinal, não renderam quase nada após a publicação do jornal sobre a novidade. A máquina, porém, aprende.
Dos tantos riscos e maravilhas que a nova tecnologia promete proporcionar, um tema em especial vem sendo pouco explorado na mídia: o efeito sobre ela mesma. Se o robô consegue fazer redações e trabalhos de nível universitário, poesia e cálculos complexos, é razoável imaginar que dará conta de peças jornalísticas profissionais daqui a pouco.
A imprensa terá que se adaptar, como todo o resto da sociedade, mas há uma grande nuvem escura no horizonte: quem precisará de conteúdo produzido por veículos jornalísticos quando o próprio buscador for capaz de gerá-lo?
Parte considerável dos sites é dependente do tráfego advindo das ferramentas de busca. Como já comentado nesta coluna, é isso que explica a profusão dos títulos literais, os “entenda”, “saiba como” etc.
Jornais estruturados, como a Folha, têm equipes dedicadas à análise e à prospecção de audiência. E, mesmo com tudo isso, a disputa é injusta, não por causa dos concorrentes, mas do arbítrio das empresas de tecnologia.
Não à toa, vários países estão aprovando remuneração compulsória pelo uso de material jornalístico. É sintomático que a Microsoft tenha estendido o nome de seu buscador, o Bing, para seu chatbot, ainda que com resultados desastrosos na estreia.
O prognóstico também não é animador no campo da desinformação. Se robôs apenas martelando histórias da carochinha já melam eleições, é de se imaginar o que pode acontecer com o salto de capacidade.
Um executivo disse que a inteligência artificial fará o trabalho chato em um mundo de demografia cadente (difícil engolir essa, em terra de subemprego). É mais fácil acreditar que as Big Techs estão fazendo barulho para conferir autoridade a máquinas ainda incompetentes, como escreveu o jornal The Guardian em editorial.
Mesmo que leve algum tempo para os robôs entenderem que Neymar não é uma unanimidade, talvez só reste ao jornalismo profissional a inteligência de, o quanto antes, voltar a escrever para pessoas, não para os algoritmos.
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