quarta-feira, 22 de março de 2023

E agora, Jango?

Em 13 de março de 1964, o presidente João Goulart fez manifestação popular de apoio às Reformas de Base que o país necessitava há décadas, ou séculos, para desamarrar seus recursos e avançar no progresso. Para evitar as reformas, que necessariamente tocariam em seus privilégios, a reacionária elite brasileira preferiu destituir o presidente. Quase 60 anos depois, o Brasil ainda espera aquelas e outras reformas nascidas nas cinzas do fracasso do desenvolvimentismo e nos desafios da realidade do século 21.

Em 1964, nossa principal reforma era a agrária. Nosso maior recurso potencial era a terra sem trabalhadores e os trabalhadores sem terra. O Brasil seria outro se tivesse feito a reforma agrária naquele tempo, permitindo a liberação e o uso desses recursos. Se ela tivesse sido feita, nossas cidades não seriam as monstrópoles de hoje, porque a migração em massa dos anos 1970 e 1980 não teria ocorrido. O Brasil não teria a fome que decorre da falta de renda, mas também da produção menor de alimentos para o mercado interno. Embora ainda necessária, essa reforma já não tem a mesma importância. O país caminhou para uma urbanização deformada em cidades inchadas; e a agricultura, para a modernização do agronegócio exportador.


A principal reforma atual deve ser para liberar o recurso fundamental da economia do século 21: o capital conhecimento. Nosso potencial está nos cérebros de nosso povo. Sessenta anos depois de Jango, é preciso uma reforma que assegure escola de qualidade para todas as crianças brasileiras, de maneira a desenvolver o potencial com o qual cada uma delas nasce. "Nenhum cérebro deixado para trás" substitui o slogan de "nenhum latifúndio deixado improdutivo".

No seu tempo, Jango incluiu a reforma alfabetizadora sob o comando de Paulo Freire. O golpe e a interrupção daquelas reformas levaram o Brasil a ter hoje mais analfabetos adultos do que naquele tempo. É preciso retomar e realizar um programa pela erradicação do analfabetismo, que segue como um fóssil do passado. Mas o mundo atual exige a alfabetização para a contemporaneidade: todo brasileiro terminando o ensino médio com a máxima e igual qualidade. A grande reforma deste momento é a federalização da educação de base, para liberar o potencial nos cérebros de nossas crianças, independente da sua renda e do seu endereço.

Naquele tempo, o Brasil precisava usar o Estado para fazer as reformas, hoje precisa-se reformar o próprio Estado, que, submetido ao corporativismo, tem sido instrumento de criação de privilégios e mordomias, ferramenta para a concentração estrutural de renda, embora disfarçada pela distribuição conjuntural de minúsculos auxílios e bolsas. A reforma precisa submeter o Estado do patrimonialismo, do imediatismo, da ineficiência, da ostentação, da corrupção, fazendo-o eficiente, comprometido com os interesses nacionais e das camadas pobres, com estratégias estruturais de longo prazo, vacinado contra a corrupção no comportamento dos políticos e a corrupção nas prioridades das políticas.

Nos anos 1960, Jango tentou reformas que servissem de base para o desenvolvimento econômico nos moldes do crescimento mais rápido e amplo da indústria mecânica, para aumentar a renda e o consumo da população. No século 21, é preciso reformar os próprios propósitos do desenvolvimento: entender a necessidade de regras que assegurem o progresso com sustentabilidade ecológica, fiscal, social, democrática. No lugar do protecionismo à indústria ineficiente, será preciso entender que daqui para a frente o crescimento deve ser integrado ao mundo, incentivar o aumento da produtividade e da competitividade.

A reforma deve levar em conta o imenso potencial da biodiversidade brasileira, buscando sermos o líder mundial da bioeconomia sustentável e de alta tecnologia. Para tanto, a reforma da educação com máxima qualidade para todos deve ir além da educação de base e implantar no Brasil um moderno sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, fazendo para tanto a necessária reforma de nossas universidades. Ausente no tempo de Goulart, agora é prioritário fazer a reforma política, que rouba bilhões de reais do orçamento público e corrompe os partidos transformando-os em viciados cassinos eleitorais.

A chegada do governo Lula foi uma vitória, ao barrar a reeleição do atraso, mas o país precisa ir além e, com ambição e lucidez, definir uma estratégia para o futuro, iniciando as reformas que são tão necessárias agora quanto aquelas que Jango propunha.

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