O fato em si parece natural, Brasília cresce e, com ela, a Sol Nascente. A comunidade fica a 35 km do Palácio da Alvorada, onde vive o presidente Lula, um migrante nordestino que chegou a São Paulo em 1952. Ele tinha 14 anos quando o presidente Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília, a meta-síntese de seu programa que daria ao Brasil 50 anos em cinco. O garoto havia acabado de ganhar seu primeiro salário como aprendiz de torneiro no Senai. Lula encarna a ponta do sonho que deu certo. A comunidade de Sol Nascente ilustra o que deu errado.
Brasília seria uma cidade de sonhos. Planejada por um arquiteto liberal (Lúcio Costa) e outro comunista (Oscar Niemeyer), seria igualitária, funcional e moderna. Nada a ver com as grandes cidades do país, muito menos com o Rio e suas favelas. Nessa época a Rocinha devia ter uns 10 mil habitantes.
JK levava visitantes ilustres para conhecer sua cidade. No dia 21 de abril de 1960, quando a inaugurou, os dignitários vestiam casacas. Não passava pela cabeça de ninguém que Brasília viesse a ter favelas, mas também não passava pela cabeça dos sábios da ocasião onde viveriam os candangos que construíram aquela maravilha ou os migrantes que ela atrairia. Falava-se em “cidades-satélites”. Inicialmente tentou-se absorver o fluxo migratório em cidades como Taguatinga, Sobradinho e Gama. Passou o tempo, e os planos foram atropelados.
Brasília é protegida por uma legislação que exige autorização de repartições para colocar um corrimão numa escada do Itamaraty. Essa parte do Brasil legal continua de pé. Enquanto isso, no Brasil real, dezenas de milhares de pessoas vivem a alguns quilômetros dali em áreas sem a infraestrutura adequada.
Daqui a pouco Brasília completará 63 anos. Em 1960, o Plano Piloto abrigava metade da população da cidade, hoje só abriga 13% dos moradores. A cidade igualitária tornou-se a mais desigual entre as capitais brasileiras, e a comunidade de Sol Nascente tornou-se uma síntese. JK pensava numa síntese do progresso, mas o tempo produziu uma síntese do atraso fantasiado de moderno.
Em todas as grandes cidades brasileiras, as favelas refletem uma ocupação desordenada dos espaços urbanos. Em Brasília planejou-se tudo, menos um lugar para o pessoal do andar de baixo. Jornalistas que topavam ir para a nova capital habilitavam-se a receber terrenos no lago.
É fácil atribuir os defeitos de Brasília à onipotência planejadora do Estado, mas a comunidade de Sol Nascente é a síntese de um Estado fracassado. Lá, não foi o planejamento que fracassou, foi o fracasso social que prevaleceu.
Numa trapaça do tempo, a região administrativa de Sol Nascente também é chamada de Pôr do Sol.
O palácio de JK poderia também ser chamado de Palácio do Poente. A alvorada com que ele sonhou se foi.
Análise perfeita.
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