Repito, havia um acúmulo. Mas de quê?
De desesperança. Com isso, tornou-se urgente devolver ao palco aqueles que, a duras penas, conseguiram, no período que vai da posse de Sarney ao governo Dilma (principalmente nos anos de governo do PT), um mínimo de visibilidade e voz política. Falo de negros e mulheres, da comunidade LGBTQIA+, de indígenas, dos trabalhadores, dos desassistidos, enfim, dos marginalizados de sempre, acrescidos, nos últimos quatro anos, de artistas, mesmo aqueles que tinham voz e, na concepção do país regredido à Idade Média, passaram a ser tratados como bandidos.
A posse do dia primeiro de janeiro foi o grito das vozes, emudecidas, mas não mortas, da democracia. E tudo ali funcionou. Foi uma mulher preta, a catadora de lixo Aline Sousa, quem entregou a faixa ao presidente. Ela subiu a rampa do Palácio na companhia de Lula e de sua companheira, Janja, da cadela Resistência (símbolo do acampamento mantido perto de onde Lula esteve preso em Curitiba), de um cacique (Raoni), de um garoto preto e morador da periferia de São Paulo (Francisco Silva), de um professor (Murilo Jesus), de um metalúrgico (Weslley Rocha), de um artesão (Flavio Pereira), de um jovem que, por conta de uma meningite, sofreu, quando tinha três anos, uma paralisia cerebral (Ivan Baron) e de uma cozinheira (Jucimara Fausto). A voz das vozes silenciadas se fez ouvir. Todos eles (e outros tantos) seriam enumerados e chamados ao palco – “vocês existem e são valiosos para nós” – na posse do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, ele mesmo um negro.
Basta demonstrar apreço à democracia e dar visibilidade aos carentes para garantir um bom governo? Não. É preciso melhorar a vida da população, que, no caso do Brasil, é heterogênea, indo dos trinta milhões de famintos àquela pequena porção de ricos que, sozinhos, têm uma renda superior à dos 90% restantes. É possível agradar a todos? Não. Eu espero que os avanços se deem no sentido de proporcionar as mínimas condições de vida aos mais pobres. Isso exige ações na economia e nas outras áreas e requer precisão e boa vontade dos executores das políticas.
Uma semana depois da posse festiva, que espalhou esperança aos que apostam num país diverso, inclusivo, pacífico – embora com embate de visões de mundo –, uma horda de fascistas, uns poucos crédulos, outros obedecendo a ordens (ainda a descobrir ou confirmar de quem), destruiu o patrimônio público. Não qualquer patrimônio, miraram aquele que a ideia de uma nação moderna construiu, as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário desenhadas por Niemeyer. Além dos prédios, danificaram importantes obras de artes, o que, vindo de quem veio, a extrema direita, não é de se estranhar.
Enfim, vimos um nudes do Brasil cindido, esse país que não resolveu grande parte de seus problemas estruturais (racismo, privilégios de toda sorte, poder excessivo na mão dos militares, concentração pornográfica de renda etc.). Neste momento, chegamos ao ponto no qual ou cuidamos desse débito histórico ou o ataque à democracia se transformará em guerra. Dela sairá um país pior, certamente nas mãos de um autoritário.
Devo confessar, no entanto, que, ao ver a posse das ministras dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e da Igualdade Racial, Anielle Franco, um balanço desses dias me leva ao otimismo.
Alexandre Brandão
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