O cérebro humano continua a ser um dos grandes mistérios do planeta. Por sua capacidade de criar invenções e por sua incapacidade de aprender com os erros. As vivandeiras do pós-goiabeira são netas, sobrinhas-netas ou agregadas dos militantes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, afamada bucha de canhão, ou massa de manobra, basta escolher, que clamaram pelo golpe militar levado a cabo em 1964. Foram 21 anos de perseguições políticas, assassinatos, falta de liberdade, carestia brutal e inflação descontrolada.
Não aprenderam nada. Lá estão novamente as cunhadas e irmãs, como ventríloquos, na porta dos quartéis; alguns brandem um tal perigo comunista; outros escandem um fundamentalismo religioso próximo à Inquisição, loucos, se autorizados, para queimar imaginárias deidades. Desculpe a incorreção: ao atirar contra os policiais federais, eles já as nomearam como suas bruxas.
A falta de lazer e de áreas públicas para o convívio social, como parques e praças com bancos, ao mostrar que os shoppings já não cumprem mais essa função, resultou por certo no adensamento de genros e enteados na calçada das corporações. Ao contrário do que é vendido pelos pastores tuiteiros, é mais uma questão urbano-afetiva que de caráter ideológico. Basta observar a bonança vinda com a multiplicação das sopas, oferecida por Michelle Bolsonaro aos militantes intelectualmente desnutridos na porta do Palácio da Alvorada. Estando o quase ex-presidente anda deprimido e inapetente, possivelmente distribuiu o excesso da despensa. Pimba! Soa uma ação prática às mulheres companheiras dos maridos: por que deixar a comida estragar? Não chega a ser brioche, mas é o que havia para o jantar.
Desconcertados diante da prosódia do líder, bolsonaristas do meio-fio — favor não confundir com o populacho das barricadas das estradas, que nem sequer ganhou banheiro químico dos militares —, brigam para que seu mundo não tenha mudanças. O slogan “Deus, Pátria, Família” significa no fundo “Sofá, Miami (em seis vezes) e lasanha (gratinada)”. Em terreno assim, não se admitem novas ideias ou mesmo mudar de lugar o controle remoto.
O mundo tem andado muito rápido. Faça as contas: agora as domésticas têm filhos na universidade, também voavam para a Disney; mulheres pretas são nomeadas ministras; político de projeção se assume gay; pior, o Papa tolera as pautas de esquerda. E Valdemar Costa Neto está na oposição. Tem de gritar na porta de quartel.
Sair da fila do orelhão para mensagem de texto no aplicativo, em menos de duas décadas, abala os dogmas. A cada temporada, novas descobertas desmantelam as escrituras vindas há séculos do deserto distante. Imagine uma delas: computadores que leem nossos pensamentos e, assim, obedecem a comandos diversos como jogar videogames ou auxiliam pessoas a mexer o braço robótico.
Na busca aflita por um um banheiro químico, o pessoal esquece que, na abertura da Copa de 2014, um homem paraplégico, pela ação de comandos mentais levados a seu exoesqueleto, deu o pontapé na bola no início da partida. Não foi um milagre, mas obra do cientista brasileiro Miguel Nicolelis. Aleluia.
De novo, o jogo. Os voyeurs de guarita encontram ecos na velha esquerda. Algo como uma irmandade no atraso, atávicos em seu ludismo. Não entregam a modernidade porque têm credos arcaicos, haja vista a justificativa da bancada do PT para querer um dos seus no cargo de ministro da Educação. Refutam um ícone da área, alguém reconhecido internacionalmente, como a educadora Izolda Cela, sob o argumento de o posto ter de ser ocupado por um político. Chamemos a isso convicção do pobrismo petista. Natural incentivar uma fábrica de bife e não brigar por usinas industriais de chips ou microprocessadores. O subdesenvolvimento da direita e da esquerda é uma opção e uma estratégia.
Triste, repete-se a história. Na virada do século retrasado para o passado, os empresários e as autoridades, mergulhados no pensamento de branqueamento da população, buscaram trabalhadores europeus para tocar as fazendas de café e, principalmente, as fábricas que inauguravam a industrialização brasileira.
Em lugar de capacitar a imensa população de ex-escravizados, que rodavam as periferias da cidade em busca de colocação, fizeram duas apostas. A primeira, pelo branqueamento, com a chegada de milhares de imigrantes brancos (e poucos asiáticos). A segunda, contra a educação, ao não montar um programa de qualificação profissional.
Na época, os petistas da Gleisi venceram os defensores da integração social e da capacitação da mão de obra. Mais de cem anos depois, diante da Revolução Digital, o Brasil corre o risco de novamente apostar errado.
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