Os líderes civis entendiam que os militares iriam permanecer por pouco tempo nas funções político-administrativas da Nação. A eleição de Castello Branco para a presidência da República foi realizada por intermédio de voto indireto, no Congresso Nacional. Juscelino Kubitschek votou a favor de Castello Branco, no maior erro de sua vida política. Passados alguns anos, com a adoção da tortura, censura e desrespeito aos direitos políticos dos cidadãos, os mesmos integrantes das marchas com Deus pela família contra o comunismo voltaram as ruas do país. Desta vez para gritar slogans em favor da liberdade, do fim do estado policial e da censura no teatro, na televisão, na música e nos jornais. E exigir que os militares voltassem para os quartéis. Os arrependidos perceberam a extensão de seu erro.
Militares são treinados para cumprir missões. Missão dada é missão cumprida. Não são sutis. O chamado Comando Supremo da Revolução passou a prender gente à vontade. Sem prestar atenção as conexões familiares, nem aos sobrenomes. As famílias de classe média começaram a ser afetadas pelo rigor militar. Uma tentativa de reforma do sistema educacional jogou os jovens contra o regime. E a coisa desandou. Mais passeatas, mais repressão, mais prisões, mais torturas, mais desaparecidos. Até que o governo chegou ao paroxismo do AI-5, o ato que instituiu a ditadura pura e simples no país. Pequeno grupo, incentivado pelo PC do B, radicalizou com a guerrilha do Araguaia. O Exército perseguiu e matou quem se jogou nesta aventura no centro-oeste do país.
Naquele momento os generais já não tinham o controle total do Exército, que era dividido em alas e correntes políticas. Uma delas, o pessoal de informações em conjunto com o da repressão, tinha efetiva influência no poder. Pessoas desapareciam num piscar de olhos. Chegaram a influir na imprensa. A reposta veio da forma de uma abertura política lenta, segura e parcelada de forma a controlar a esquerda e a direita. Foi o trabalho desenvolvido pelo governo Geisel e completado na administração Figueiredo. Aquele movimento de 64, com pessoas protestando na rua, foi desmontado em 1984 também com pessoas nas ruas pedindo eleições diretas para Presidências da República. Somente em 1985, um presidente civil chegou a presidência da República, 21 anos depois daquelas marchas com Deus, Pátria e Família pela liberdade.
Em tempos recentes, o pessoal que votou em Lula descobriu as ilicitudes cometidas durante os governos do Partido dos Trabalhadores e votou em massa no candidato Jair Bolsonaro. O presidente eleito em 2018 pegou carona, em 2013, nos primeiros movimentos de rua que pipocaram no Brasil sem controle da esquerda. Eles revelaram grupos violentos, os black blocs orientados pelas redes sociais, que conseguiram sensibilizar as igrejas neopentecostais e abrir espaço para o surgimento de uma extrema direita radical no Brasil. O governo Bolsonaro também foi radical na implantação das ideias reacionárias de seu guru Olavo de Carvalho. Promoveu farto desmatamento da Amazônia, cortou verbas das universidades, desmontou a proteção social e esqueceu da saúde do brasileiro. Transformou o país num pária internacional.
Os arrependidos descobriram o erro que haviam cometido e tornaram a eleger em 2022 o Lula que haviam repudiado em 2018. Agora, de novo, radicais movimentam as ruas das principais capitais brasileiras e se aglomeram na frente dos quartéis do Exército pedindo o golpe de estado. Os generais ficam envaidecidos por serem lembrados como pais da Pátria. A sucessão de erros e arrependimentos deve ensinar ao brasileiro que é muito difícil, trabalhoso e demorado recolocar o país nos trilhos constitucionais depois que arbitrariedades passam a ser cometidas em nome da defesa do país, da família, da Pátria, ou pior, em nome de Deus.
Os brasileiros conhecem os passos dessa estrada. A história torna evidente o tamanho do equívoco. Esse pessoal na porta dos quartéis é massa de manobra, exatamente como foram os que desfilaram em 1964. Quem não se lembra de seus erros está condenado a repeti-los.
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