terça-feira, 9 de agosto de 2022

Limite retrátil

Atenção à competitividade eleitoral de Bolsonaro. Está vivo. Nunca esteve morto. Semeia o caos com uma mão, investindo no 7 de Setembro permanente; e, com a outra, extrai os frutos da parceria que multiplica gabinetes paralelos e distribui codevasfs. Os frutos: o pacotão de estímulos por meio do qual despejará bilhões — o Tesouro bancando a campanha pela reeleição — até o final do ano. Concorre para a instabilidade, mas vai disputar os votos.

Se “é a economia, estúpido!”, o presidente faz — já fez — seu jogo. Contra a inflação, maquia a inflação — e contrata inflação mais duradoura.

Não há limites.

O orçamento secreto — expressão da sociedade entre o lirismo parlamentar e o Planalto — anaboliza a musculatura do sistema. O sistema — Supremo incluído, que não cumpre a missão constitucional de barrar a emenda do relator — trabalhando pelo anti-establishment. Agora é tarde. O anti-establishment virou sócio de Arthur Lira e Ciro Nogueira. O presidente, um autocrata, costurou capilaridade para si, Brasil adentro. Daí que seja estupefaciente a subestimação de suas chances em outubro. Escrevi a respeito em março. O governo sempre pode muito. Um sem limites, então.


E foi a um sem limites que o Parlamento ofereceu exceção à lei eleitoral. Licença para gastar, ao aterramento das regras fiscais. Bolsonaro vai crescer. Não sei até onde; não sei se suficientemente para vencer. Sei que crescerá. Nenhum incumbente, com a máquina que controla, promove tamanha derrama sem colher popularidade.

Não há limites.

O país tem um ministro da Economia cuja relevância — plantada por ele mesmo — estaria no que “não deixa fazerem”. É condição inaferível. A não ser que relatasse à sociedade o que não terá deixado passar. E que se note, para que não nos esqueçamos de que Paulo Guedes não exerce papel de controle externo. Está bem lá dentro. De modo que: não deixaria passar iniciativas espúrias de seus próprios pares, do presidente pelo qual opera. Quem serve — por tanto tempo — a uma gente capaz de propor encaminhamentos ainda piores do que os que prosperaram?

O que será mais torpe do que crédito consignado sobre o Auxílio Brasil?

O que Guedes impediu? Desde onde observo, tudo quanto veio passou; mas com artifício tipicamente bolsonarista: fica menos bárbara uma solução que se deixa para tomar à véspera, tanto mais se em benefício dos pobres. O ministro aprendeu a jogar com a forja chantagista do sentido de urgência. Arrumou R$ 60 bilhões — e a tunga crescerá — instrumentalizando a miséria; fatura em que consta a desoneração da gasolina para os ricos.

Não há limites.

Se você ainda duvida, olhe para a celebração de superávit em 2022. “O primeiro ano no azul desde 2013” — comemora-se. Um governo sem limites; que festeja resultado fiscal positivo ao mesmo tempo que empreende programa de gastos sem precedentes.

Não está para brincadeira uma turma que enche a boca para falar de superávit meses depois de haver formalizado o fim do teto de gastos. Guedes nem ruboriza. Fala, agora, em teto retrátil. Ele me lê. Está atrasado, porém. O teto era conversível quando da PEC dos Precatórios. Naquela época, toda vazada, ainda havia alguma cobertura a flexibilizar. Faz tempo. Foi o início do processo que resultaria — com a PEC Kamikaze — no destelhamento absoluto.

O ministro tem razão: não furarão mais o teto.

Não bastará a cara de pau. A turma aposta na desmemória. E aí talvez cole o embuste de comemorar contas no azul depois de rolados — pedalados — R$ 50 bilhões em precatórios. Aqui, não. Até eu faria gordura assim. Empurrando dívidas para frente. Bancando-me do produto da inflação que se quer combater. Antecipando tudo quanto pudesse em receitas. Lembro os lucros abusivos da Petrobras, consequência da política de paridade de preços. Um estupro! Mas eu quero. Me dá aqui. Superávit.

Não veio a brincar uma galera que se jacta de fabricar superávit enquanto promove gambiarras constitucionais para gastos ilimitados cuja fatura — informa o próprio governo — impedirá resultados fiscais positivos nos próximos anos. A turma que celebra exercício azul em 2022 é a mesma cuja porteira escancarada pela reeleição determina déficits em 2023 e 2024 — para começo de conversa. É o menor de nossos problemas.

A conta aumentará. O dinheiro abunda e escoa hoje. As receitas são extraordinárias. As contas vêm para ficar. Há muitas notas penduradas ao porvir. Mais virão. As receitas, obra das circunstâncias, logo se vão. Gastamos hoje. Nos endividamos hoje. A fatura permanecerá. Ecoará. Estamos nos encalacrando para financiar a campanha de Bolsonaro. Somos doadores compulsórios. Pagamos o Vale Alvorada para o mito.

Superávit na onda da PEC dos Precatórios e do imposto inflacionário, enquanto produz efeitos a PEC Kamikaze. Não há limites. Mas a plateia aplaudiu. É esquecida. Lembro o limite de Guedes: se mexessem no teto de gastos. Limite retrátil?

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