domingo, 24 de abril de 2022

Bolsonaro é Sylvio Frota

À primeira vista, o desgraçado indulto que Jair Bolsonaro concedeu ao deputado Daniel Silveira foi visto pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, como um ato normal que não pode ser contestado. Depois, em entrevista ao GLOBO, disse que ele fragiliza a justiça penal, mas é legítimo. Antes do decreto ser assinado, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, já havia enviado ofício ao Supremo Tribunal Federal em favor de Silveira, pedindo que a Corte defina que apenas o Congresso pode cassar o seu mandato. Os chefes da Câmara e do Senado, que deveriam defender as instituições e a democracia que as duas Casas sustentam, condenando com veemência a afronta de Bolsonaro, se posicionaram de maneira dúbia, com espinhas dobradas.

Pacheco e Lira foram condescendentes e são cegos. Não conseguem enxergar que mantida esta escalada, mais adiante os alvos da ira antidemocrática do presidente serão eles e seus pares. Bolsonaro se coloca acima da Constituição ao decretar que o Supremo Tribunal errou e indultar Silveira. E o que os presidentes das casas legislativas fazem? Nada. Apenas Pacheco fez uma breve ponderação, passando o pano sobre o ato que chamou de constitucional e que, segundo ele, tem de ser acatado pelo STF. O que houve, além da afronta ao Supremo, foi um insulto ao Congresso, mas seus líderes abaixaram a cabeça. Um dia podem ser obrigados a baixá-las para serem cortadas pelo presidente golpista.


Bolsonaro, todos sabem, é um candidato a autocrata que defende a ditadura de 1964 e faz reverência a torturadores, como o seu herói Brilhante Ustra. Se fosse mais velho e não tivesse sido expulso do Exército por baderna, certamente estaria entre a tigrada que desceu o pau nos porões do regime. Provavelmente teria se conflagrado contra o presidente Ernesto Geisel e apoiado o general Sylvio Frota na tentativa de golpe que o ministro do Exército quis aplicar contra a abertura do regime, em 1977. Bolsonaro, não tenham dúvida, seria da linha dura da ditadura.

Se consumar o golpe que vem tentando desde 7 de setembro do ano passado, sua prática será absolutista. Não ouvirá ninguém. Se fosse moderado, cassaria alguns ministros do Supremo e parlamentares da oposição. Mas, não, Bolsonaro é Sylvio Frota. O golpista empoderado fecharia o Congresso e o STF, rasgaria a Constituição e governaria como um monarca totalitário. Pacheco, Lira e outros parlamentares do Centrão que apoiam o governo, a maioria por razões fisiológicas, não conseguem ver o óbvio. Aparentemente, a proximidade dos cofres públicos embaça a visão.

O objetivo de Bolsonaro é evidente. Obviamente ele não está indultando um presidiário que cumpriu parte da sua pena, que se comportou exemplarmente durante o encarceramento, que tem família para criar. Ele está beneficiando um criminoso aliado do seu agrupamento fascistóide de maneira a provocar o Supremo, gerando uma crise institucional que beneficia seu projeto golpista. Ele quer um óbice do STF para alegar que seus poderes constitucionais estão sendo violados. Por isso, para reforçar a posição do tribunal, os líderes do Congresso deveriam se manifestar de maneira firme e inequívoca contra o indulto. Não foi o que se viu.

Se com seus poderes hoje balizados pela Constituição Jair Bolsonaro já governa cercado por generais, imaginem se o seu golpe vingar. Seguirá escolhendo sempre generais que pensam como ele, os linha dura, agressivos, autoritários (Braga, Ramos, Heleno) e os lambe botas (Pazuello). Os mais inteligentes, independentes e éticos (Santos Cruz, Rêgo Barros) foram defenestrados do governo e continuarão fora do jogo. Será com aqueles, além dos zeros que o acompanham nas suas barbaridades, que o ditador vai compartilhar o poder e o butim se deflagrar com êxito um golpe. Aí, não sobrará muita coisa para Lira, Pacheco e o resto da turma.

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