terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Prioridades de Bolsonaro

Na semana passada, o governo Bolsonaro enviou sua lista de projetos prioritários para votações no Legislativo neste ano. Além do homeschooling, que já aparecera em 2021, foi incluído na educação um projeto da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) que estabelece o fim do sistema de ciclos, popularizado por seus críticos como “aprovação automática”. A justificativa que consta do projeto é uma peça exemplar do bolsonarismo raiz: um conjunto de achismos sem base em qualquer evidência científica.

A repetência é dos poucos temas na literatura acadêmica em que a conclusão é inequívoca: trata-se de péssima estratégia, pois o principal efeito é aumentar a probabilidade de evasão sem elevar a aprendizagem, como mostra a revisão de meta-análises (estudos mais robustos por agregar o resultado de um conjunto de pesquisas) feita por John Hattie no livro “Visible Learning”.


No início da década de 2000, políticos de várias matizes elegeram a “aprovação automática” como vilã. O sistema, porém, nunca foi majoritário. Em 2002, apenas 11% das escolas o utilizavam. Em 2007, estudo de Ocimar Alavarse mostrou que o desempenho de alunos na Prova Brasil (exame oficial do MEC) nas redes que adotavam ciclos não era diferente das demais. Em 2014, pesquisa de Reynaldo Fernandes, Luiz Scorzafave, Maria Isabel Theodoro e Amaury Gremaud sobre o que aconteceu em sistemas que adoram ciclos indicou que “o fluxo educacional melhorou no ensino fundamental sem que se verificasse uma queda no desempenho dos estudantes pertencentes às gerações beneficiadas por essas políticas”.

Constatar que os ciclos não prejudicaram a aprendizagem não significa que tenham contribuído para alguma melhoria da qualidade. O problema é muito mais complexo do que a simples adoção de um ou outro sistema.

Essa forma de organização reapareceu na legislação nacional em 1996, como opcional. Entre 1995 e 2019, a proporção de crianças do 5º ano do fundamental com aprendizado adequado em matemática aumentou de 19% para 52% nas avaliações oficiais do MEC. Nada indica que isso esteja relacionado aos ciclos, até porque, como dito, eles nunca foram majoritários. (Aliás, para quem acha que se trata de uma invenção da esquerda, vale lembrar que a Lei 5.692/1971 - no artigo 14, parágrafo 4º -, do auge da Ditadura Militar tão glorificada pelos bolsonaristas, já dava brechas a outros critérios de progressão não-seriada).

O ponto mais absurdo das justificativas apresentadas no projeto é que “evitar a reprovação em si faz com que as crianças inconscientemente sejam ensinadas a não lidar com as frustrações naturais da vida, que não são uma vergonha, mas sim apenas um processo natural pelo qual a criança pode passar para se tornar um adulto mais forte e preparado para a realidade do mercado de trabalho, que é muito mais dura que a escola, uma vez que envolve também as relações humanas e de poder.”

Se tamanho disparate fizesse algum sentido, seríamos então um dos países com mais “adultos fortes e preparados para o mercado de trabalho” do planeta, já que as taxas de repetência no Brasil sempre foram altíssimas em todo o século XX. Mesmo no início do século XXI, um relatório de acompanhamento de metas da Unesco trouxe em 2008 dados de 150 países. O Brasil, com um percentual de 21% de repetentes, ficava atrás apenas de 10 nações: Togo (23%), Chade (23%), Congo (24%), São Tomé e Príncipe (24%), Camarões (26%), Guiné Equatorial (26%), Comores (27%), Burundi (30%), República Centro- Africana (31%) e Gabão (34%).

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