Lavar a roupa suja do governo de Donald Trump tem sido uma bonança para a indústria editorial americana. A rotina começou cedo, com o republicano ainda na Casa Branca. Autores revelam um homem corrupto, desequilibrado, ignorante e um traidor dos interesses do próprio país.
O novo exemplo é o livro de uma trumpista de primeira hora, Stephanie Grisham. Ela foi assessora de imprensa da Casa Branca e chefe de gabinete de Melania Trump. Só saltou do navio no dia da invasão do Capitólio, quando a primeira-dama se recusou a interromper uma sessão de fotos de um tapete para se inteirar do ataque terrorista.
O título do livro de Grisham, “I’ll Take Your Questions Now: What I Saw at the Trump White House” (vou responder a suas perguntas agora: o que vi na Casa Branca de Trump), é uma referência ao fato de que Grisham nunca realizou sequer uma das entrevistas coletivas regulares na sala de imprensa da Casa Branca.
Como a maioria dos que servem a canalhas e depois tentam faxinar a reputação para não serem incomodados com vaias em restaurantes, a desculpa de Grisham para o blecaute com a imprensa é pífia: ela confirma que Trump mentia demais e não queria ser citada na imprensa proferindo absurdos.
As revelações vão da gravidade geopolítica à obsessão de Trump com o próprio pênis. No encontro com Vladimir Putin, na cúpula do G20, em 2019, o americano agiu como um vira-latas buscando aprovação do ditador russo e disse a ele: “Vou parecer meio durão com você por alguns minutos, mas é só para as câmeras, depois que saírem a gente conversa”.
Quando a atriz pornô Stormy Daniels ridicularizou o formato do pinto presidencial, Trump telefonou para Grisham do avião Air Force One para informar que seu pênis tinha forma e tamanho ideais.
O que os livros não cobrem em detalhes é o papel da imprensa política em facilitar a ascensão e o desgoverno de Trump. Sim, o jornalismo americano demorou, mas passou a classificar de “mentira” do presidente o que antes descrevia com eufemismos. Mas figuras grotescas como Trump ou Jair Bolsonaro não são simples exceções extremistas. Chegam ao poder, provocam caos e morte em massa a bordo de um sistema que boa parte da imprensa ainda cobre como um território de equivalentes.
Um ex-editor de dois outrora influentes jornais americanos admitiu com singeleza seu papel de cúmplice não intencional na emergência do “fascismo que ameaça a nossa democracia”. Mark Jacob é autor de livros de história e trabalhou nos jornais Chicago Tribune e Chicago Sunday Times.
Numa série de postagens no Twitter, ele lembra que, quando editava reportagens políticas, contava o número de citações de republicanos e democratas, para manter a suposta objetividade. Mas ele conclui que, se antes a corrupção era distribuída entre os dois partidos, nas últimas décadas a decadência ética do Partido Republicano provocou fadiga na mídia, o que ajudou a normalizar o inaceitável.
Afinal, argumenta Jacob, Hillary Clinton usar servidor privado para emails não é o mesmo que George W. Bush mentir para iniciar uma guerra catastrófica no Iraque.
Bolsonaro foi eleito com apoio de jornalistas que vomitam asneiras como “bolsopetismo”, um chocalho ideológico, não um fato. Pouco importa se hoje é criticado por arrependidos. A mídia deve ao público a defesa da democracia, não a neutralidade diante de fascistas.
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