quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Que objeto representaria, num museu, o que restou dos EUA?

Uma visita ao Metropolitan Museu de Nova York é sempre intensa. Em algumas dezenas de salões, facilmente explorados no curso de um dia, está basicamente toda a História da civilização. Separados por passos estão a ponta de uma flecha talhada há 200 mil anos e o retrato de Marilyn Monroe pintado por Andy Warhol. O MET é uma espécie de gigantesco álbum de figurinhas da Humanidade, dois milhões de peças exibidas em molduras, pedestais e vitrines, e que ilustram a criatividade, as habilidades, as crenças e os costumes humanos. 

Existe também uma outra forma de entender o museu. É assimilar o acervo não como exemplo das maravilhas criadas pelo homem, mas como o pouco que restou de civilizações destruídas. Sala após sala, o que vemos são os resquícios de culturas que um dia se pensaram invencíveis. O que ficou dos etruscos, que por dois mil anos prosperaram nas terras da Itália? Um vaso de barro lascado. E dos persas, que no auge do império dominaram quase metade da população mundial? Uma cumbuca amassada de cobre. O acervo do MET prova que a História é feita de fracassos e de pilhagens, de silêncios irreversíveis e de aprendizados perdidos. Ele mostra que os homens são especialistas, principalmente, em retroceder e destruir. 



Neste extraordinário ano de 2020 nos Estados Unidos, tempo e lugar que no passado todos veriam como exemplo do ápice da cultura ocidental, a sensação de retrocesso é avassaladora. 

Morreu Ruth Ginsburg, a juíza da Suprema Corte que mais avançou na causa das mulheres no país. Desrespeitando a regra de que nenhum presidente deve indicar alguém para a Suprema Corte em ano eleitoral, Trump escolheu Amy Coney Barrett. Juíza conservadora, que já se posicionou contra a manutenção do plano de saúde criado por Obama, pelo direito ao aborto, e que pode dar a Trump uma vitória tardia, caso uma disputa eleitoral vá parar nas cortes. O pior presidente dos Estados Unidos, que chamou os veteranos de fracassados, sabia desde fevereiro como o vírus era mortal e nada fez, tem 28 acusações de assédio sexual e pagou apenas US$ 750 de impostos nos últimos dois anos, está tramando um golpe de estado. 

Há duas formas de se acabar com uma civilização. A primeira é através das espadas e dos canhões, das metralhadoras e dos tanques de guerra usados num ataque externo. A segunda é a corrosão interna do sistema, devido à corrupção, incompetência administrativa e disparidade crescente entre ricos e pobres. Se Trump for reeleito, o maior sistema democrático do mundo (em número de pessoas) pode estar caminhando para um fim. 

Isso me faz pensar na cumbuca dos persas. Nada impede que, daqui a alguns séculos — e se a Terra não derreter até lá —, o pouco que reste da sociedade americana esteja na vitrine de museu. Um tubo de batata Pringles sabor churrasco. Uma camiseta da Abercrombie & Fitch. Meia cabeça da Estátua da Liberdade. 

Se a plaquinha com a explicação for sincera, dirá serem aqueles os restos de uma civilização extraordinária, que decaiu com a erosão da democracia. Um sistema confuso, barulhento e que dá trabalho, mas que ainda assim era o melhor. Ainda outra civilização defunta, que ali jaz porque há milhares de anos os homens cometem o mesmo erro de novo e de novo, de relegar o bem comum ao segundo plano. 
Martha Batalha

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