Respondendo a uma consulta do PDT, Fux disse, entre outras coisas: “A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República”.
Há, no entanto, quem tema que “esse famigerado artigo 142 ainda vai dar pano para manga”, como o historiador José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras. Ele escreveu um belo artigo recentemente no Globo fazendo um apanhado histórico do papel das Forças Armadas nas constituições brasileiras, onde ressaltou que desde 1891 existe a definição delas como “garantidoras dos poderes constitucionais”, aspecto que considera “ a justificativa preferida pelas FA para definir seu papel e justificar sua intervenção”.
José Murilo me mandou um acréscimo de suas pesquisas sobre as FA nas constituições da Argentina, Uruguai e Chile, as outras três ditaduras da América do Sul, onde ele vê um “abismo de distância”. Nossos vizinhos, de fato, não definem um papel para as Forças Armadas. A Constituição argentina de 1994 diz apenas, em seu artigo 99: “O Presidente da República é o comandante-chefe das forças armadas da Nação”. A do Chile, de 2010, diz que “As FA dependem do Ministério da Defesa e “existem para a defesa da pátria e são essenciais para a segurança nacional”. A do Uruguai, de 1997, define: “O presidente da República tem o mando supremo de todas as Forças Armadas”.
Entendo o temor de José Murilo de Carvalho e tantos outros, mas, diante das diversas manifestações institucionais do Supremo, do Congresso, e de órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acho que não há mais caminho dentro da Constituição para a interpretação intervencionista. Mas, claro que sempre é possível um golpe militar. Quanto aos nossos vizinhos, sempre haverá quem diga que o presidente, sendo o comandante em chefe das FA, poderá decidir por uma intervenção militar. No Brasil, há ainda, pela primeira vez em 30 anos de democracia, essa indesejada mistura de militares com o governo.
O presidente Bolsonaro usa os militares como ameaça – “as Forças Armadas estão do meu lado”, - embora os militares que estão no governo sempre aleguem que não há ministro militar, há ministros que vêm da área militar, como outros são políticos, ou engenheiros, ou advogados.
Nesse caso, é indispensável que todos sejam da reserva e, sobretudo, que nunca mais vistam a farda, mesmo metaforicamente, muito menos para ameaçar as instituições. Não é o que acontece. O General Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, embora tenha anunciado a decisão de ir para a reserva, garante em entrevista à revista Veja que o Exército não dará um golpe, mas adverte: “o outro lado tem que entender também o seguinte: não estica a corda”.
Ele também se recusou a comentar o que considera “implausível”: o TSE cassar a chapa presidencial. Ontem, o relator dos processos, ministro Og Fernandes, aceitou que o STF envie as provas já coletadas no inquérito das fake news presidido pelo ministro Alexandre de Moraes para serem compartilhadas pelo TSE.
O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), se considerou com o direito de advertir que se o celular do presidente Bolsonaro fosse apreendido pela Polícia Federal poderia haver “consequências imprevisíveis”. Quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello convocou os três ministros militares do Planalto para depor, o aviso veio com um procedimento formal, que todo cidadão recebe da mesma maneira: se não comparecerem na data marcada, vão “debaixo de vara”.
Um linguajar próprio da Justiça que em nada rebaixa os convocados. Mas os militares ficaram irritadíssimos, como se mentalmente continuassem se considerando diferentes dos outros cidadãos. Acham que são mais iguais que os outros, como no livro “A Revolução dos Bichos”, do George Orwell.
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