Uma pequena fábula conta que um jovem prisioneiro na Alemanha voltou a Bonn, poucos anos após a guerra, para se vingar com a vista dos escombros. Mas eis que, no fundo de uma rua, surge uma banda tocando uma marcha militar e o jovem começa a chorar. A fábula é do século passado, tem mais de quarenta anos, o poeta Tonino Guerra a escreveu. Tonino Guerra avisou. Primo Levi também avisou, insistentemente, durante décadas. Que o terror vai sendo gestado em mínimas crisálidas. Que há uma poeira aparentemente inofensiva que amanhã reunirá as cinzas de um futuro. A diáspora dos nazis como uma semeadura de sombras. Por algum tempo eles se entocaram, ocultaram-se sob outros nomes, outras identidades, e foram sobrevivendo com risco de serem caçados. Mas há muito que deixaram suas tocas, com gosto especial de se exibirem em tempos de pandemia, e pouco têm a esconder que já não lhes suba à cara. Alguém diz que avisou, quando tudo e todos se afogam em evidências, mas quantos já não avisavam quando ainda mal varridas as ruínas do pós-guerra. Que era preciso não desmerecer os indícios. Não se fazer de cego, surdo e mudo. Em todas essas coisas reles, esquecíveis, corriqueiras, que só agora prestamos atenção por causa de um vírus, em todas essas coisas comuns e em circunstâncias as mais banais, eles também foram se infiltrando, livres de denúncia, como se irrelevantes. As nossas máscaras obrigatórias, agora, fazem as vezes de mordaça, o protocolo de lavar constantemente as mãos nunca as deixa limpas e faz tempo que já é tarde.
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