domingo, 17 de maio de 2020

Coisas que não quero esquecer do confinamento

No confinamento, acredito, abrimos os olhos para muito do que está à nossa volta, dentro de casa e no mundo. É fácil, agora, voltar a fechá-los, à medida que nos vamos habituando às regras desta nova vida, embora ainda à espera de que tudo volte a um suposto normal que, na verdade, já não sabemos muito bem como é ou como será. Quero acreditar que, apesar de tudo, algo irá mudar para que não fique exatamente tudo na mesma (ao contrário do que proclamava o príncipe de Falconeri, em O Leopardo). Mas isso só sucederá se não nos esquecermos do que aprendemos nos últimos tempos. Cinco exemplos:
1 - Os trabalhadores das profissões menos valorizadas são, no seu conjunto, os mais essenciais ao funcionamento do País. Como esta crise o demonstrou, durante semanas, são eles que mantêm ativos os serviços básicos – fundamentais para a ideia e o sentimento de coesão nacional. Tudo aquilo que damos por garantido, como o abastecimento regular de bens alimentares, as ruas limpas e seguras, os transportes públicos, o funcionamento dos serviços de eletricidade, de água e de saneamento básico, o transporte de mercadorias e até o apoio a idosos ou a outros grupos desfavorecidos, é assegurado por milhares de pessoas que, na generalidade dos casos, levam para casa pouco mais do que o ordenado mínimo. Durante o confinamento, a ação destes trabalhadores de serviços essenciais foi elogiada por todos. É bom que essa memória não se perca – em especial, quando eles vierem pedir uma mais justa valorização das suas profissões e do seu nível de vida.


2 - A saúde é o nosso bem mais precioso. Os últimos tempos foram eloquentes quanto à necessidade de se ter um Serviço Nacional de Saúde (SNS) forte, ativo e eficaz, mas que saiba também reconhecer e premiar a dedicação, o empenho e o profissionalismo dos seus profissionais. Viu-se, em todo o mundo, a diferença que há entre um SNS vocacionado para responder às necessidades de toda uma população e os serviços de saúde centrados apenas na chamada eficiência, mas sobretudo no negócio. Nos primeiros meses da pandemia, o nosso SNS conseguiu estar à altura e não colapsar como tantos outros. Mas a maratona ainda vai nos primeiros quilómetros e, apesar das ovações escutadas nas ruas, a meta continua longe. A lição ficou: o SNS não pode ser visto como uma despesa; tem de ser encarado e acarinhado como um investimento – para o bem comum.

3 - A confiança na Ciência é a melhor forma de preparar o futuro. Nesta crise, até os líderes religiosos aceitaram os conselhos dos cientistas, e foram encerrados igrejas, mesquitas, sinagogas e templos. Os países que mais depressa responderam às indicações dos cientistas foram os que registaram menos vítimas. As nações governadas por líderes populistas, conhecidos pela sua insistência em teorias negacionistas, tiveram os resultados que se observam no Brasil e nos EUA. Mais: a Ciência voltou a dar-nos a verdadeira noção do tempo e, em simultâneo, da pequenez dos indivíduos na Natureza. E demonstrou como a transparência na informação e a cooperação planetária são fundamentais para fazer face a qualquer ameaça global. É preciso que a Ciência volte a ocupar um papel central no processo de decisão – até porque esta pandemia ainda não acabou, e temos um planeta a precisar de ser preservado… se o quisermos continuar a habitar.

4 - Os nossos comportamentos individuais têm consequências coletivas. Esta pandemia demonstrou que a forma como nos comportamos é decisiva para conter, ou não, a propagação do vírus, salvar ou condenar pessoas. Mas também nos levou a pensar mais como os nossos gestos e atos podem ser importantes para melhorar a vida das sociedades, redescobrir os laços de vizinhança, sentirmo-nos todos habitantes de um planeta comum.

5 - A internet passou a ser um bem essencial. Comunicar e partilhar dados tornou-se tão básico como os serviços de água, de eletricidade e de saneamento básico. É preciso pensar nisso a sério e repensar o poder imenso dos gigantes tecnológicos nesse bem essencial.

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