Mas o discurso do Marcito era simples pretexto. Os acontecimentos tinham tomado o freio nos dentes, desde que se rompera a ordem constitucional em 1964. O primeiro ato era para durar seis meses e ponto final. Tudo voltaria à ordem democrática. Voltou? Uma ova! Com os freios nos dentes ou não, os acontecimentos conduzem os oportunistas de toda espécie. Chega um ponto em que fica difícil saber quem quer o quê.
O país se divide então entre vítimas e algozes. Muitas e poucos. Entre uns e outros, os espectadores. Há sempre o risco de bancar o Fabrice del Dongo. O herói de Stendhal não sabia que aquele pega-pra-capar era nada mais nada menos do que a batalha de Waterloo. Num país periférico, onde a história passa pelo ridículo sem se chamuscar, o espetáculo é de fato chinfrim. Bom. No dia seguinte, um agourento 13 de dezembro como hoje, só que de 1968, eu saí à noitinha do Jornal do Brasil.
Na praia do Flamengo, o táxi parou. Chovia fininho e triste. Pneu furado. E o carro não tinha estepe. Parece mentira, mas a realidade é inverossímil. Abrigado na porta do prédio, de repente me dei conta de que ali morava o Carlos Lacerda. Era o famoso triplex, de que a Última Hora tinha feito alarde. Subi até a cobertura. Uma empregada me abriu a porta. O dr. Carlos está lá em cima. Lá estava, sim, na bela biblioteca, sentado na cadeira de balanço. Sozinho.
A Frente Ampla tinha sido fechada em abril. O Carlos estava interessado em parapsicologia. Foi o nosso primeiro assunto. Depois, os anjos. Ele e eu, mera coincidência, tínhamos comprado um dicionário americano sobre anjos. Até que caímos na real. Sim, o AI-5. Ele achava que ia ser preso. E foi. O silêncio do telefone me afligia. Mais de uma hora depois, chegou o Renato Archer. Deixei lá os dois na conversa de gente grande. Fui ler o AI-5. Você já leu? Que coisa pífia, santo Deus! E aconteceu. No Brasil.
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