A confusão armada pelo presidente Jair Bolsonaro com a fanfarronada sobre o preço dos combustíveis é um exemplo típico: ele sabe que é impossível “zerar” a cobrança de impostos, mas lança o desafio a fim de posar de benfeitor, deixando aos governadores o papel de predadores do contribuinte.
Esse tipo de governante gosta de atuar pela lógica do confronto, mas corre de situações em que as bolas divididas possam lhe render prejuízos eleitorais, ainda que as questões sejam absolutamente relevantes do ponto de vista do coletivo.
Luiz Inácio da Silva abandonou as mudanças na Previdência; esqueceu-se do discurso feito dias após a posse em prol da modernização das leis trabalhistas, com destaque para o funcionamento dos sindicatos; passou ao largo do sistema de tributos; e arquivou toda e qualquer reforma assim que percebeu o tamanho do contraditório a ser enfrentado.
Bolsonaro faz um pouco diferente, até porque, ao contrário de Lula, a unanimidade não está nos planos dele. Não por desejo, mas por impossibilidade. Joga, então, com o acirramento dos atritos de maneira seletiva, para consolidar a fidelidade de uma parcela do público, mas preserva margem de manobra quando a coisa tem dimensões mais amplas.
É o caso das reformas na estrutura do Estado. Foi assim na Previdência, quando deixou o serviço para o Congresso e conseguiu faturar nas duas pontas: as hesitações serviram à defesa de corporações de seu interesse e o resultado lhe permitiu pôr no currículo a aprovação de uma reforma travada havia anos.
Agora o presidente tenta lance semelhante com a proposta de alteração nas regras do funcionalismo público. Faz que vai, mas não vai. Provavelmente esperando contar com o senso de responsabilidade do Parlamento. A dita reforma administrativa estava pronta para ser mandada ao Legislativo no fim do ano passado. Bolsonaro suspendeu o envio alegadamente por receio de que se reproduzissem aqui as manifestações de rua então ocorridas no Chile.
Os farrapos da desculpa já eram evidentes, mas ficaram mais nítidos quando o adiamento voltou a ser cogitado por ausência de “clima político” e existência do risco de a discussão da reforma render prejuízos eleitorais na municipal de outubro. Ora, mas não era Bolsonaro que não iria se envolver em eleições, estando até decidido a demitir ministros que se envolvessem?
A verdade é que não há interesse real da parte de governantes de perfil populista de combater privilégios (no valor dos salários, nas aposentadorias, na estabilidade, nos benefícios funcionais e nas avaliações de desempenho) em searas com forte potencial de reação e nós complicados de ser desatados.
Donde Jair Bolsonaro prefere deixar a questão ao encargo exclusivo do Congresso, até para ter a quem responsabilizar caso a reforma não prospere. E não apenas a administrativa. Será assim também no caso da tributária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário