Pouca gente parece ter se chocado também quando Jair Bolsonaro, na manhã desta quarta, submeteu à pequena platéia que o festejava no portão do Alvorada a decisão sobre vetar ou não o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para as eleições de 2020 que acabara de ser aprovado pelo Congresso: “ Veto ou não veto?”, indagou o presidente, para ouvir, obviamente, o que queria: “vetaaa!!”.
Sem dizer com todas as letras se vetará o fundo, o que deixaria todos os partidos na mesma situação de seu projeto de Aliança — sem dinheiro para a campanha municipal — citou o velho adversário PT e o neodesafeto PSL: “O PT vai ganhar R$ 200 milhões para fazer campanha no ano que vem. Aquele pessoal do PSL lá, que mudou de lado, também vai pegar R$ 200 milhões. Se quer fazer material de campanha caro, não vou ajudar esse cara, pronto".
Quando é que alguém vai explicar a Bolsonaro que o presidente da República não foi eleito para “ajudar” ninguém com os atos legais que lhe cabem por força do cargo? A lei que, mal ou bem, criou o fundo eleitoral tem que ser cumprida. A Constituição prevê que, ao presidente, cabe governar dentro dos princípios de transparência, probidade e impessoalidade previstos na Constituição. E ponto final. Mas parece que Bolsonaro ainda não entendeu isso, embora outro dia tenha recuado na decisão de excluir o jornal Folha de S.Paulo de uma licitação federal ao ser alertado de que o tratamento discriminatório poderia lhe render uma acusação por crime de responsabilidade — que pode até resultar em impeachment.
Bolsonaro caça problemas com vontade e velocidade superiores às de todos os seus antecessores juntos — e olha que teve gente complicada ali naquele Planalto nos últimos trinta anos. Imagine se algum deles tivesse resolvido nomear o filho como embaixador do Brasil nos Estados Unidos? Ou trocado desaforos com outros chefes de Estado e de governo? Ou ter seus parentes no alvo de uma investigação como o caso Queiroz e resolver interferir no Coaf, na Receita e na PF? Ou mandado tirar os radares de velocidade das estradas? O mundo lhes cairia na cabeça por muito menos — em alguns casos, até caiu mesmo.
Mas o atual presidente da República, quase completando um ano de mandato, parece ter conquistado uma certa inimputabilidade política, semelhante a que se dá, penalmente, aos índios ou a pessoas que sofrem das faculdades mentais. Pode falar todas as bobagens do mundo, e também praticar muitas delas, sem que nada lhe aconteça no âmbito político ou jurídico.
Difícil imaginar até quando irá esse estado de coisas. Possivelmente, enquanto durar a fé do PIB e das elites na retomada do crescimento da economia e na agenda de Paulo Guedes. Ou enquanto durar a paciência do povo.
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