terça-feira, 20 de agosto de 2019

Intestinos e instituições estão funcionando?

Atravessando uma fase de obsessão pelo cocô, o presidente tem se esforçado em empurrar seu programa de governo adiante. Preso visceralmente a seu eleitorado, especialmente o de tipo mais cruento, tem buscado dar vazão a promessas de campanha, mas muitas delas não têm seguido pelo caminho reto. Por vezes, sentindo a obstrução dos canais institucionais, recorre à glicerina dos decretos. Entretanto, até mesmo o uso desse instrumento não tem se mostrado eficaz na desobstrução da agenda governamental, limitando-se o efeito a poucos mas ruidosos espasmos. Especialmente as propostas mais indigestas não têm encontrado fluxo livre pelo sistema político mais amplo, sendo obstadas pelo tratamento grosso do Congresso, ou pelo controle mais fino do delgado STF. Aos poucos, promessas se ressecam e o presidente vai ficando cada vez mais enfezado.


Tramitação peristáltica, flora parlamentar, rompimento do trato institucional, a metáfora abunda, como se vê, mas em respeito ao leitor, encerro por aqui a alegoria escatológica.

A contar do início do mandato, o presidente sofreu muitas derrotas. De decretos a medidas provisórias, passando por projetos de lei a propostas de emenda constitucional, suas vontades foram contestadas, algumas contornadas, várias corrigidas e outras simplesmente derrubadas.

Como se recorda, o início de seu governo foi bastante tumultuado, marcado por idas e vindas, afrontas e recuos. Quando finalmente começou a implementar sua agenda, surpreendeu a todos por sua visão pouco elaborada do sistema político, apesar dos quase trinta anos de carreira parlamentar.

Empolgado inicialmente com sua Bic, Bolsonaro disse que tinha mais poder do que Rodrigo Maia, presidente da Câmara, porque, “apesar de você fazer as leis (sic), eu tenho o poder de fazer decretos”. De fato, utilizou esse recurso para viabilizar uma de suas propostas mais caras, a de ampliar a posse e o porte de armas. Fez um tiroteio de decretos que foram sustados pelo Senado, evento raro nas relações entre poderes.

Depois disso, a matéria passou a tramitar no Congresso sob a forma de projeto de lei, porém de baixo calibre e de modo bem mais lento do que gostaria o armamentista.

Dizendo-se avesso à velha política, o presidente desprezou a necessidade de formar uma coalizão de partidos no Congresso, mas fez uso de medidas provisórias como seus antecessores. Por meio de MP, tentou transferir a demarcação de terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura e repassar o poderoso COAF do Ministério da Fazenda a Sergio Moro, mas a falta de sólida base parlamentar se fez sentir e nenhuma das mudanças foi aprovada. Quando o presidente reincidiu na primeira delas, editando nova MP, foi a vez de o STF colocá-lo de volta no quadrado, afirmando por unanimidade que o presidente abusava do poder, em demonstração de “indisfarçável autoritarismo”. O mesmo STF já havia imposto derrota a Bolsonaro quando o impediu de extinguir, por decreto, os Conselhos de participação social no nível federal, salvaguardando a prerrogativa do Legislativo de zelar pela matéria. Há outros tantos pedidos tramitando na Corte, contra medidas do governo e até atitudes do presidente, como as declarações sobre as circunstâncias da morte do pai do dirigente da OAB durante o regime militar.

Focos de resistência aparecem no seio da própria administração pública. Em áreas como educação e meio ambiente, os respectivos ministros enfrentam dificuldades para reorientar suas burocracias e as novas políticas avançam pouco e de maneira errática. A intervenção do presidente na superintendência da Polícia Federal no Rio quase levou a direção da corporação a uma renúncia coletiva. Depois de dizer publicamente que “quem manda sou eu”, Bolsonaro teve que recuar e deixou de exigir o substituto de sua preferência para o cargo. Na relação com o Ministério Público, a indicação do novo PGR se arrasta e se complica, sinal de dificuldades para escolher e emplacar um nome de sua preferência.

Nem sequer a aprovação da Reforma da Previdência pela Câmara pode ser considerada uma vitória do planalto. O impasse que marcou o início da tramitação apenas se rompeu quando Rodrigo Maia tomou para si a tarefa de forjar a coalizão necessária para a aprovação da proposta de emenda constitucional. Antes ela foi desidratada e seu carro chefe, o sistema de capitalização, abandonado. Estados e municípios, pelo menos até agora, ficaram de fora da reforma. Ainda no plano constitucional, o Congresso aprovou a PEC34, que torna obrigatória a execução de emendas de bancada por parte do governo, aumentando o poder do Congresso em matéria orçamentária, em detrimento do executivo.

Pode ser que o acúmulo de derrotas e a perda de poder institucional do executivo vis-à-vis os demais poderes levem o presidente a rever suas escolhas estratégicas. Se, contudo, ele insistir no figurino Johnny Bravo e os conflitos evoluírem para uma situação de paralisia decisória do governo, duro será ouvir do presidente: “precisa acabar com essa constipação aí, talkey? Laxante neles!”

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