quinta-feira, 18 de julho de 2019

Sigilo para roubar?

Já houve tempo em que o sigilo bancário era sagrado – incluído no rol das liberdades individuais e direitos fundamentais dos cidadãos. Era amplo também. Incluía o segredo da vida financeira das pessoas. E já houve tempo em que era possível ter conta numerada em banco, quase anônima. Sem contar os cofres com dinheiro, ouro, pedras, a que ninguém poderia ter acesso, muito menos as autoridades.

Isso tudo acabou. Continuamos prezando as liberdades e direitos da pessoa humana, mas não cabem mais aí as normas que permitem – falando francamente – esconder dinheiro e riqueza.

No Brasil, a primeira tributação sobre a renda é de 1843, mas se aplicava apenas aos rendimentos recebidos de cofres públicos. O Imposto de Renda é de 1922 e a regulamentação da declaração – bem menos ampla do que hoje – é de 1924.

Mas foi apenas em 1964 que se criou o Cadastro Geral de Contribuintes (o atual CNPJ). O CPF surgiu dois anos depois.

Até bem pouco tempo, portanto, era fácil sonegar impostos. E comum. Todos se lembram das perguntas: vai ser com nota? Com recibo? Por dentro? Qual valor se coloca na escritura?



Essa moleza acabou por diversas razões, a começar pela necessidade de financiar um Estado com cada vez mais responsabilidades e, pois, mais gastos. E, mais recentemente, para combater a corrupção, o tráfico de drogas, o terrorismo e a lavagem de dinheiro – os sofisticados métodos de esconder recursos obtidos ilegalmente.

O instrumento também é recente: os meios eletrônicos que permitem o acompanhamento e o rastreamento instantâneo das operações financeiras.

No Brasil, é tudo ainda mais recente. Desde o mensalão apanha-se alguma coisa aqui outra ali, mas o combate sistemático à lavagem de dinheiro é obra da Lava Jato. A operação tem apenas cinco anos. E nada menos que 285 condenações, penas de 3.100 anos de prisão e R$ 13 bilhões recuperados somente em acordos de colaboração.

Tudo isso só foi possível com a atuação organizada de diversos órgãos, a começar pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Coaf, criado em moldes internacionais. O Coaf detecta as tais movimentações “atípicas” – e só pode fazer isso rastreando as operações financeiras das pessoas.

Detectada a operação, a investigação exige o trabalho conjunto e orquestrado de Polícia Federal, Receita Federal e Banco Central, este podendo capturar informações no sistema bancário. O comando é do Ministério Público, que apresenta a denúncia na Justiça, quando for o caso, claro. Nenhuma operação da Lava Jato foi feita sem o consentimento da Justiça. Ninguém foi condenado sem o amplo direito de defesa.

Tudo considerado, o ambiente hoje, no Brasil e no mundo civilizado, é assim. Ou tem que ser assim: quem roubar dinheiro público, quem sonegar ou ganhar ilegalmente, vai acabar apanhado. Quem tocar sua vida financeira corretamente não tem nada a temer.

Claro que autoridades inescrupulosas podem tentar abusar de sua autoridade para perseguir pessoas. E há como apanhar isso. É o outro lado da moeda que mais conhecemos: autoridades igualmente inescrupulosas protegendo e, pior, participando de negócios ilícitos. O rigor no acompanhamento das atividades financeiras é para este último lado.

E, francamente, as pessoas de bem não estão nem aí para o sigilo. Contam tudo para seu banco, para sua operadora de cartão de crédito, para a Receita Federal. Até postam nas redes.

Mas não esqueçamos: a Lava Jato apanhou o maior escândalo corporativo do mundo. Está sendo atacada não por seus excessos, mas pelo seu sucesso.

Tá doido?

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) fez a frase do ano: "Código penal é para bandido, não para político".

Disse isso para explicar porque é contra a criminalização do caixa dois.

Ir para a cadeia por causa disso? “Tá doido?” – exclamou.

Ironia

O presidente Bolsonaro se elegeu na onda anticorrupção. Consolidou isso levando Moro para o Ministério da Justiça.

É uma ironia que a decisão de Dias Toffoli, suspendendo investigações de lavagem de dinheiro, tenha sido tomada em benefício de Flavio Bolsonaro. Mais que uma ironia.

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