Num gesto de invulgar nobreza, afirmou sobre si o que eu sempre afirmei sobre ele: não nasceu para ser presidente, não faz ideia do que está fazendo no posto, não sabia que os problemas eram tantos e tamanhos. Que lhe desculpemos as caneladas, ele pede. Não é do ramo.
Antes tarde do que nunca, embora não precisasse demorar tanto. Tivesse reconhecido um pouquinho mais cedo sua dificuldade de dominar uma bola e ninguém teria incomodado ninguém: nem ele ao governo, nem o governo a ele. No fundo, de acordo com sua declaração, quem não votou em Bolsonaro lhe fez mesmo um favor. Não precisa agradecer, presidente, eu compreendo suas aflições. Também são minhas.
Não pensem vocês que ele está de brincadeira. Ele fala a sério, mortalmente a sério. Catapultado ao imaginário nacional diretamente dos programas de humor e entretenimento, Bolsonaro parece ter proposto candidatura com a certeza de que não corria risco nenhum de ser eleito, como adolescente que vai à rua procurar emprego temendo encontrar emprego.
Pois encontrou emprego.
Nós ficamos espantados.
Ele ficou espantado.
Irmanados no espanto, temos aí um inconveniente país com o qual lidar.
A prova de que Bolsonaro tem razão e fala a verdade é que nunca soube explicar de que se trata, afinal de contas, essa treta de governar. Quando lhe perguntavam sobre Previdência, ele remetia ao Paulo Guedes. Saúde? Falem com o Paulo Guedes. Privatizações? Guedes. Infraestrutura? Vão logo ao inferno ou ao Instituto Millenium.
Para quem insistia, tinha uma resposta na ponta da retórica: um presidente não precisa, e nem se quisesse conseguiria, saber tudo sobre todos os assuntos. O que é verdade. Contudo, é também verdade que um presidente carece de saber algo mais do que os nomes das pessoas e o número das respetivas salas. Precisa perceber algo de gestão, de princípios elementares de administração, de movimentos básicos do xadrez político.
Ele tem mostrado que sabe? Mistérios.
O affair Velez Rodriguez é mais eloquente que um Socrates na praça. O colombiano putativamente conhecedor de pensamento brasileiro foi escolhido não pelo presidente, que o ignorava, mas por aqueles que o presidente escolheu. Disseram a ele que o historiador de filosofia sabia tudo o que o presidente não sabia.
A fé move montanhas e nomeia ministros, sabemos todos.
Em três meses, o ministério com segundo maior orçamento e complexidade sem igual está à deriva. Sem planos, sem metas, sem projetos. O ministro, que fazia ponta de morto-vivo há semanas, foi demitido. Garanto que a culpa não é minha; não sou Charles Xavier nem Magneto, e o poder do meu pensamento negativo não chega a tanto. O fato é que quem o indicou já tinha se apressado a desindicar, quem viu fez de conta que não viu, quem sabia garante que não sabe do que estão falando.
Jair Bolsonaro afirmou que não nasceu para ser presidente. Finalmente está coberto, sufocado, soterrado de razão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário