Para explicar o raciocínio, Dawkins faz uma analogia com os pássaros de uma mesma espécie, mas com comportamentos distintos: os trapaceiros, os trouxas e os rancorosos, todos em luta com piolhos alojados na cabeça, que poderiam exterminar a espécie. Caso existissem somente trapaceiros e trouxas, a espécie seria extinta, porque somente o segundo cataria os piolhos alheios, o que não seria suficiente para manter o equilíbrio ecológico. Os trapaceiros não catam piolho de ninguém, nem podem removê-los da própria cabeça; com a redução da população de trouxas, todos acabariam extintos.
Quando entram em cena os rancorosos, a situação se modifica. São pássaros que ajudam uns aos outros de maneira mais ou menos altruísta, mas que se recusavam a colaborar com os indivíduos que se recusaram a ajudá-los. Por essa razão, os rancorosos conseguem transmitir mais genes às gerações seguintes do que os trouxas (que ajudavam os indivíduos indiscriminadamente e por isso eram explorados) e também que os trapaceiros (que, implacáveis, tentavam explorar todo mundo e acabaram por se anular uns aos outros). Com o chamado altruísmo recíproco, a população de trouxas diminui e os trapaceiros acabam com a sobrevivência ameaçada pelo isolamento. O Brasil está passando por um período darwinista na política. Nesse contexto é que devemos examinar a crise de segurança pública e o problema da violência.
Os animais agem instintivamente na luta pela sobrevivência, a violência é um elemento natural que faz parte de um ciclo independente e resulta do instinto de conservação. Entretanto, só se utilizam dessa prática na busca de alimento, na luta pelo território ou na disputa pela fêmea; ou ainda, quando se sentem ameaçados. Ou seja, somente em situações extremas, em prol da conservação da espécie. O homem também é um animal que se utiliza da violência para sobreviver. Porém, extrapola os limites do natural e, muitas vezes, age violentamente a ponto de prejudicar a sua própria espécie, fato que contraria as leis da natureza. A desigualdade social, a impunidade e a corrupção estão entre os fatores de violência, mas é preciso saber lidar com isso e contê-las.
Há duas concepções seminais sobre isso: A tese do “lobo do homem”, de Thomas Hobbes, segundo o qual a sociedade está sempre ameaçada por uma guerra civil, onde todos os seus integrantes vivem em uma situação de permanente conflito, “uma guerra de um contra todos e de todos entre si”. O estado da natureza, segundo ele, era um mundo de feras, onde “o verdadeiro lobo do homem era o próprio homem”. Para Hobbes, “um homem não pode abandonar o direito de resistir àqueles que o atacam com força para lhe retirar a vida”. E o mito do “bom selvagem”, do iluminista francês Jean Jaques Russeau, para quem primitivamente o homem é generoso, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade, a qual o predispõe à maldade. A condição para reverter essa tendência e transformá-lo num bom cidadão é a construção de um “contrato social”, que estabeleça as regras do jogo: “O mais forte não é suficientemente forte se não conseguir transformar a sua força em direito e a obediência em dever.”
O debate sobre a violência no Brasil gravita em torno dessas duas concepções, que estão na gênese do Estado moderno. O ponto de convergência entre ambos é o monopólio do uso da violência pelo Estado, como estabelece a nossa Constituição. Esse monopólio, porém, foi quebrado pelos “trapaceiros”. Estão aí o PCC, em São Paulo, e as milícias, no Rio de Janeiro, que atuam como “Estados paralelos”. Não será armando a população que esse problema será resolvido. O risco que corremos, com a polarização ideológica que se estabeleceu em torno disso, é o surgimento de uma militância política armada. A saída ainda é depurar, reformar e fortalecer o sistema de segurança pública.
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