Jair Bolsonaro vai atirar o filho Flávio às feras da política, como o noticiário sugere que fará? Que atitude tomará o capitão reformado diante do dilema entre o dever presidencial de comandar o Estado como um árbitro imparcial e desapaixonado e a obrigação parental de apoiar e proteger o filho?
Pode parecer uma picuinha, mas é da oposição entre imperativos morais mais enraizados, como aqueles que regem a vida familiar, e os deveres impostos pela lei positiva que brotam as grandes tragédias.
“Antígona”, de Sófocles, talvez seja a mais paradigmática delas. Ali, a heroína, filha de Édipo e Jocasta, vive seu calvário porque, contrariando proibição imposta pelo rei Creonte, deu sepultura ao cadáver de seu irmão Polinices. Ela se justifica diante de Creonte dizendo que desafiara o edito real, o “nómos” ou “lei humana”, para obedecer ao que chama de “justiça divina” (“daímônôn díkê”), uma obrigação moral de ordem superior.
Creonte, que também era tio de Antígona, não se deixa convencer e toma uma série de decisões que resultarão na morte da sobrinha e de vários outros personagens, reduzindo significativamente o tamanho da família.
O interessante na peça é que ninguém é inocente. Polinices, afinal, traíra Tebas ao aliar-se a estrangeiros para lançar um ataque contra sua própria cidade. Antígona sabia muito bem qual era a pena reservada para aqueles que desobedecessem ao edito real e mesmo assim a infringiu. O próprio Creonte incorre no delito de “hýbris” (soberba) ao colocar a lei do Estado acima da dos deuses. As contradições entre os diversos níveis de lealdade em que cada indivíduo se vê enredado constituem a matéria-prima bruta das tragédias.
Há, contudo, uma diferença importante entre a situação dos personagens de Sófocles e a do clã Bolsonaro. Como no mundo real não existem deuses, a lei humana é a única norma pela qual agentes públicos podem se pautar.
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