“O que aconteceu com você, Brasil?”, perguntavam os membros da reunião ao saberem que o presidente Bolsonaro indicou que o País pode abandonar os esforços de combate às mudanças climáticas, “que seriam parte de uma trama marxista para transferir o poder para a China”. O Brasil já decidiu também que não vai receber a cúpula do clima no ano que vem. Alegou dois motivos: restrições orçamentárias e a transição para um novo governo eleito, que herdaria o compromisso.
É lamentável. Basta lembrar o relatório da ONU segundo o qual o Acordo de Paris pode salvar 1 milhão de vidas por ano até 2050 (IHU, 11/12) . E impressionantes ganhos na saúde, segundo a OMS: só a poluição do ar por combustíveis fósseis causa 7 milhões de mortes anuais no mundo e custa cerca de US$ 5,11 trilhões, além de afetar o ar limpo, a água potável, alimentos e abrigos seguros.
Como enfrentar tudo isso, sabendo que 2018 está sendo o quarto ano mais quente da História desde 1850, perdendo somente para 2016, 2017 e 2015? E 2019 pode ser ainda mais quente com a provável chegada do El Niño. O teor de calor dos oceanos de janeiro a setembro foi o maior ou o segundo maior e o número de ciclones tropicais, maior do que a média. O gelo marinho no oceano Ártico teve a sua segunda menor extensão máxima.
A Organização Meteorológica Mundial computou os impactos socioeconômicos dos eventos extremos: de 2017 para cá, a fome associada a eventos climáticos afetou 59 milhões de pessoas só na África; no mundo todo, 2 milhões de pessoas dos 17,7 milhões forçados a abandonar suas casas o fizeram por causa de eventos climáticos.
Com o aumento das emissões nas atividades humanas, elas devem chegar este ano a 41,5 bilhões de toneladas, das quais 37,5 bilhões se devem à queima de combustíveis fósseis (as energias renováveis cresceram este ano 15%). O aumento das emissões de carbono fóssil aponta para uma trajetória de aquecimento que já está além de 1,5 grau Celsius. E não bastará apoiar as energias renováveis. È preciso descarbonizar toda a economia, segundo a pesquisadora Corinne Le Quéré, do Centro de Pesquisa Climática da Universidade of East Anglia (Plurale, 11/12).
E esse crescimento nas metas globais de dióxido de carbono (CO2) põe em risco as metas estabelecidas no Acordo de Paris. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), para chegar bem abaixo de 2 graus Celsius as emissões de CO2 devem baixar 20% até 2030 e chegar a zero em torno de 2075. Para limitar o aquecimento a 1,5 grau as emissões devem diminuir até 2030 e chegar a zero por volta de 2050.
O aumento contínuo das emissões globais é muito preocupante, diz a diretora executiva da Future Earth, Amy Luers. “Temos a tecnologia, o conhecimento e a visão de negócio para reduzir nossas emissões exponencialmente. Agora, trata-se de uma opção ganha-ganha. Mas é preciso começar o caminho vencedor” (o uso global de carvão está 3% abaixo do seu pico histórico). Glen Peters, diretor de pesquisa da Cicero, em Oslo, estudioso do tema, enfatiza que, olhando a taxa de crescimento do consumo, que deve ser de 4,7% nas China, conclui-se que não será fácil para esse país mudar de um rumo que siga na mesma trilha nas próximas décadas. A Índia, que responde por 7%das emissões globais, deve continuar com seu crescimento forte (6,3% em 2017), com aumento do uso de petróleo (2,9%), gás (6%) e carvão (7,1%). Na União Europeia, responsável por 10% da emissão global de gases, o último declínio foi de 2,6% para 1,3%, quando vinha baixando 2% ao ano. No resto do mundo, responsável por 42% das emissões, estas devem crescer 1,8% em 2018. Em 19 países (20% das emissões totais), elas caíram sem diminuição do produto interno bruto.
Na verdade, o aumento ou redução das emissões está nas mãos das quatro potências - China, EUA, União Europeia e Índia - que concentram quase 60% do CO2 do planeta. E em todas elas estão previstos fortes aumentos do consumo.
Mas não faltam otimistas, que lembram a redução do consumo a partir de 2013, inclusive com a capacidade instalada de energia renovável dobrando a cada quatro anos. Para esses, as emissões globais devem começar a cair antes de 2020, para permitir que se alcancem os objetivos do Acordo de Paris, de modo a que o aumento da temperatura no fim do século não passe de 1,5 a 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais (o planeta já sofreu aumento de 1 grau).
As emissões brasileiras de gases do efeito estufa (2,07 bilhões de gases carbônicos equivalentes) caíram 2,3% em 2017 , comparadas com o ano anterior (Folha de S.Paulo, 23/11). O principal motivo da queda foi a redução de 12% no desmatamento da Amazônia. O aumento de 11% no desmatamento no Cerrado impediu redução maior. E quase todos os outros setores da economia tiveram aumento nas emissões em 2017, quando o País começou a sair da recessão. A agropecuária responde por 70% das nossas emissões totais - 46% por mudanças no uso da terra e 24% por emissões diretas dos rebanhos.
Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas no Observatório do Clima, destaca (Folha de S.Paulo, 23/11) que as emissões brasileiras de hoje têm volume próximo do de 1990. Depois do agronegócio, transporte e indústria são os setores que mais contribuem para as emissões de gases-estufa. Mas é possível projetar que o Brasil chegue a 2020 perto do limite do cumprimento das metas de redução de emissões - um panorama que pode ser promissor.
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