Tancredo Neves, por exemplo, nos dois meses anteriores à sua malograda posse, declarava, todos os dias, que acabaria com a farra dos gastos públicos. Até Dilma Rousseff, ao nomear Joaquim Levy, disse que corrigiria a política fiscal de seu catastrófico “governo”.
Acontece que tais intenções, sinceras ou insinceras, não passam de falácia, bobagem, voluntarismo primário, nada condizente com os altos saberes dos sucessivos futuros ministros da Fazenda.
Nos países democráticos desenvolvidos somente os poucos que exercem altas funções de Estado são estáveis. Nos Estados Unidos apenas juízes da Suprema Corte e oficiais das Forças Armadas são estáveis. Já em nosso país, todos os 12,5 milhões de servidores são estáveis. Desde o manobrista da garagem do Senado até os ministros do Supremo Tribunal, desde o gari da pequena prefeitura de cidade de 6 mil habitantes até o médico do posto de saúde. Todos, simplesmente todos, exercem “funções de Estado”, e não simples atribuições administrativas. Pergunta-se: qual a função de Estado de um funcionário de município? Não importa. Os 12,5 milhões de servidores são constitucionalmente “imexíveis”.
Esse monumental contingente de funcionários públicos é obra da atual Constituição, que, ademais, no artigo 19 das suas Disposições Transitórias, declarou estáveis todas as pessoas que trabalhavam na União, nos Estados e nos municípios em 1988, mesmo sem concurso ou qualificação profissional.
Por coincidência, temos hoje no Brasil a seguinte realidade social: no setor privado 12,5 milhões de desempregados procuram um posto de trabalho há quatro anos. No setor público, dos 12,5 milhões de servidores públicos, nenhum foi despedido no mesmo período. São estáveis. Têm emprego garantido para toda a existência. No setor privado todos os empregados se submetem ao risco de perder o emprego, como agora milhões deles, por causa da recessão e da estagnação decorrentes da insanidade fiscal e da corrupção dos governos recentes.
Os novos governantes afirmam que aplicarão a Lei de Responsabilidade Fiscal para limitar as despesas de custeio da máquina pública (artigo 19 da LRF). Mas como, se os servidores públicos não podem ser exonerados? União e Estados têm mais de 70% de orçamento e déficit em gastos com servidores, incluindo os inativos. E quase todos os 5 mil municípios - grandes, médios e pequenos - têm mais de 80% de suas receitas e déficit também vinculados ao pagamento da folha dos seus ativos e inativos. Há pequenos municípios do Brasil em que 100% dos homens válidos no perímetro urbano ocupam cargos administrativos. E todos estáveis. O resto da verba orçamentária deficitária dos municípios (20%) é gasto com os portentosos aparatos dos srs. prefeitos e suas inúmeras secretarias, além das dezenas de nobres vereadores com gabinetes recheados de assessores.
A questão, portanto, é de natureza estrutural, está no âmbito da Constituição, pois o déficit não nasce apenas dos péssimos governos anteriores. Só a quebra da estabilidade geral e irrestrita, acompanhada da isonomia previdenciária entre os setores público e privado, é que pode diminuir o déficit público e estabelecer o equilíbrio fiscal.
E aí volta a pergunta: onde o novo governo vai cortar? Vai intervir nos milhares de municípios e nos Estados que infringem a Lei de Responsabilidade Fiscal? Ou vão enfrentar o tabu máximo da República dos privilégios, instituindo, por meio de reforma constitucional, a estabilidade para as poucas e qualificadas funções de Estado, a par de extinguir o regime especial de aposentadorias do setor público? Tais medidas reduziriam em dois terços as pantagruélicas folhas de pagamento estatais. Fora disso não há que falar em cortar despesas, abater o déficit fiscal e retomar o investimento público. Vai-se, apenas, enxugar gelo.
Que o novo governo federal e o novo Congresso tenham a coragem de resolver esse problema, para podermos retomar a prosperidade econômica em bases sólidas e permanentes.
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