sexta-feira, 30 de março de 2018

Morrer na praia

Não tem nada mais difícil para quem está envolvido com o noticiário do dia a dia político do que entender o rumo de mudanças à medida que elas ocorrem. Já passei por isso, entre outras ocasiões, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989. Quarenta dias antes do evento eu estava lá, na Alemanha Oriental, reportando sobre as manifestações e fugas em massa do regime comunista. E não imaginava que faltava só pouco mais de um mês para aquele mundo todo acabar de vez. Foi só depois do muro derrubado que tudo aquilo que já era visível ficou tão claro, tão óbvio, como o caminho que levava a uma revolução.

Crises graves, e o Brasil vive uma, têm características em comum: a velocidade dos acontecimentos é uma delas (no nosso caso, a rapidez com que fomos de escândalo em escândalo, de delação em delação e, agora, de decepção em decepção). Outro aspecto em comum é a desorientação de elites pensantes (políticas, econômicas ou ambas) – para não falar de vastas parcelas da população – que passam a sofrer de perda de capacidade de “leitura” da realidade, ou seja, de antecipar fatos e suas consequências (bastante evidente nos dirigentes do PT antes do impeachment).


Mas a mais grave característica em comum a grandes crises é a deterioração daquilo que numa sociedade até certo ponto se aceitava, bem ou mal, como algum tipo de autoridade – sobretudo a moral. Avança um fenômeno de percepção negativa, e de perda de confiança, que chegou também a órgãos da Lava Jato, a conglomerados econômicos, à imprensa (especialmente os mais poderosos), a instituições religiosas e, recentemente, de maneira espetacular, ao Supremo Tribunal Federal. O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

No Brasil é palpável, embora bastante subjetivo, o generalizado desejo de mudança, a indignação com a corrupção, o clamor por algo diferente – e eu me arrisco a dizer, a vontade também de enxergar alguma ordem (no sentido de direção e estabilidade). Sou obrigado a reconhecer, porém, que nossa história recente exige uma tremenda dose de paciência de todos os que ardem por mudanças. Pois temos o costume (cada um julgue se é positivo ou negativo) da “acomodação”. 

Na saída da ditadura queríamos Diretas-Já, mas nos acomodamos a esperar o voto direto para cinco anos depois. Nos acomodamos à inflação, que domamos depois de uma década perdida. Nos acomodamos a uma reforma de Estado feita apenas em parte e, com gosto, nos acomodamos ao populismo fiscal irresponsável – e aos encantos de seu marketing executado com dinheiro publico desviado – que precisou de um desastre para ser tirado do poder.

Às vezes parece que para nós, brasileiros, o insustentável (como a violência) é o nosso jeito de ser. Ocorre que esse grande e caudaloso rio querendo mudanças vai se chocar nas eleições em outubro com grandes obstáculos formados por um eleitorado em boa medida apático e desanimado, pelo domínio do aparelho de Estado por grupos corporativos públicos e privados (empresas e partidos), pela percepção de que, no filme de faroeste brasileiro, até o mocinho às vezes só parece querer cuidar do dele. A imagem de grandes quantidades de água em movimento, como algo ao qual ninguém resiste, é uma das mais usadas para descrever mudanças desde que historiadores existem.

Mas morrer na praia é um grande provérbio popular.
William Waack

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