quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Modernidade ou retrocesso?

Nos anos 60 do século passado, a televisão brasileira passou a ser inundada por séries de ficção científica, produzidas nos melhores estúdios dos Estados Unidos: “Perdidos no Espaço”, “Jornada nas Estrelas”, “Terra de Gigantes”. Uma das mais famosas era “Túnel do Tempo”. Tratava das agruras vividas por dois cientistas que haviam sido tragados por uma máquina, ainda em estágio experimental, que os transportava para diferentes contextos históricos. Nunca conseguiam voltar à contemporaneidade, o que alimentava o suspense e a própria continuidade da série. Ou eram lançados no futuro, ou atirados no passado. Na maioria das vezes, viajavam rumo a acontecimentos pretéritos.


Desde o último dia 11, o Brasil mergulhou no redemoinho do tempo e ressurgiu na data em que Napoleão Bonaparte editou o Código Civil francês. Agora, tal como em 1804, legalmente não se admite mais a existência de escravos. A prestação de serviços de uma pessoa a outra passa a ser regida por um contrato de locação de mão de obra. O tomador de serviços aluga a força de trabalho de outrem e paga-lhe, em dinheiro, o bastante para assegurar a reprodução dessa força produtiva. Trabalho feito, trabalho pago. Simples assim. Não há remuneração, pelo empreendedor, do tempo em que seu servidor esteja a sua disposição, ou que descansa, porque isso deveria ser considerado importante para a qualidade do serviço ou para a dignidade do trabalhador. Repouso semanal remunerado, férias remuneradas, afastamento remunerado por motivo de doença passam a ser ficções de um passado recente que deixou de existir, ao bel-prazer do patrão. O que refletiu a luta de construtores do futuro, desde meados do século XIX até a derrota do fascismo e o advento da ameaça soviética, virou pó. Ademais, pouco se deve importar, doravante, com aportes a um fundo previdenciário em benefício de quem trabalha. Cada um que se vire para se precaver dos infortúnios que o futuro reserva a todos nós.

Ainda que o presidente do Tribunal Superior do Trabalho insista em dizer que o Brasil, com a reforma trabalhista, chega à modernidade, é preciso lembrar que, como no “Túnel do Tempo”, a fuga de uma adversidade pode nos levar a um retrocesso ainda maior e mais remoto. No caso do tal “contrato de trabalho intermitente”, não há como deixar de ver nisso um passo atrás em relação ao liberalismo econômico da legislação napoleônica. Nesse caso, a espiral de recuo temporal nos lança à era do feudalismo: o trabalhador se compromete, tal como um vassalo, a ficar, a priori, à disposição, a qualquer hora, de um tomador de serviços, mas só receberá quando efetivamente trabalhar. Estudos, convívio familiar ou lazer e até mesmo um “bico” não passam de bobagens de um tempo romântico que não existe mais.

O objetivo é extrair o máximo do trabalhador, quer pela extensão de sua jornada de trabalho, quer por incremento do ritmo de produção. Nenhum segundo pode ser desperdiçado. E assim, nada impedirá que, transformados em robôs, os trabalhadores sejam lançados a tempos ainda mais deploráveis: os tempos da escravidão.

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