Desde o último dia 11, o Brasil mergulhou no redemoinho do tempo e ressurgiu na data em que Napoleão Bonaparte editou o Código Civil francês. Agora, tal como em 1804, legalmente não se admite mais a existência de escravos. A prestação de serviços de uma pessoa a outra passa a ser regida por um contrato de locação de mão de obra. O tomador de serviços aluga a força de trabalho de outrem e paga-lhe, em dinheiro, o bastante para assegurar a reprodução dessa força produtiva. Trabalho feito, trabalho pago. Simples assim. Não há remuneração, pelo empreendedor, do tempo em que seu servidor esteja a sua disposição, ou que descansa, porque isso deveria ser considerado importante para a qualidade do serviço ou para a dignidade do trabalhador. Repouso semanal remunerado, férias remuneradas, afastamento remunerado por motivo de doença passam a ser ficções de um passado recente que deixou de existir, ao bel-prazer do patrão. O que refletiu a luta de construtores do futuro, desde meados do século XIX até a derrota do fascismo e o advento da ameaça soviética, virou pó. Ademais, pouco se deve importar, doravante, com aportes a um fundo previdenciário em benefício de quem trabalha. Cada um que se vire para se precaver dos infortúnios que o futuro reserva a todos nós.
Ainda que o presidente do Tribunal Superior do Trabalho insista em dizer que o Brasil, com a reforma trabalhista, chega à modernidade, é preciso lembrar que, como no “Túnel do Tempo”, a fuga de uma adversidade pode nos levar a um retrocesso ainda maior e mais remoto. No caso do tal “contrato de trabalho intermitente”, não há como deixar de ver nisso um passo atrás em relação ao liberalismo econômico da legislação napoleônica. Nesse caso, a espiral de recuo temporal nos lança à era do feudalismo: o trabalhador se compromete, tal como um vassalo, a ficar, a priori, à disposição, a qualquer hora, de um tomador de serviços, mas só receberá quando efetivamente trabalhar. Estudos, convívio familiar ou lazer e até mesmo um “bico” não passam de bobagens de um tempo romântico que não existe mais.
O objetivo é extrair o máximo do trabalhador, quer pela extensão de sua jornada de trabalho, quer por incremento do ritmo de produção. Nenhum segundo pode ser desperdiçado. E assim, nada impedirá que, transformados em robôs, os trabalhadores sejam lançados a tempos ainda mais deploráveis: os tempos da escravidão.
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