Os três Poderes da República unem-se, já há algum tempo, em torno de um mesmo propósito: reduzir o alcance e a eficácia da Lava Jato. Se não é possível liquidá-la na base, isto é, na primeira instância, muito pode ser feito a partir de Brasília. E tem sido.
A bola da vez, e que mobilizou esta semana a cúpula da trindade institucional, chama-se foro por prerrogativa de função, conhecido também pela alcunha de foro privilegiado.
Sua clientela, segundo a Consultoria Legislativa do Senado, abrange 54 mil, 990 autoridades. São aqueles que não serão julgados nas mesmas circunstâncias reservadas ao cidadão comum.
Além dos que estão no topo da cadeia alimentar – parlamentares, presidente e vice da República, ministros de Estado e de tribunais superiores -, há muitos outros, a serem sacrificados, dentro do princípio de entregar os anéis para salvar os dedos.
Fazem parte dessa casta governadores, prefeitos, juízes, comandantes militares, membros do Ministério Público (federal e estaduais), chefes de missão diplomática, conselheiros de tribunais de contas (federal e estaduais), e outras categorias mencionadas nas constituições estaduais.
Há seis meses, o STF preparava-se para reduzir drasticamente esse universo, dando ao dispositivo constitucional nova interpretação, segundo a qual só terão direito ao foro políticos federais acusados por crimes cometidos no exercício do mandato e a ele relacionados. Em síntese, crimes comuns, vala comum. Luís Roberto Barroso, relator do caso, excluiu as demais autoridades.
Já seria um avanço, embora o princípio do privilégio se mantivesse. Mudanças maiores, no entanto, só via Legislativo.
O julgamento começou em maio. E já estava em oito a zero, quando o recém-nomeado Alexandre de Moraes pediu vista. O tema somente voltou ao plenário na quinta-feira, 23, seis meses depois, à espera dos três votos restantes. Eis que o ministro Dias Toffoli, alegando também a necessidade de melhor estudá-lo, pediu vistas.
É improvável, digamos assim, que o ministro desconheça as nuances da matéria, hoje de domínio público. Domingo passado, 19, ele foi chamado por Michel Temer ao Palácio do Jaburu para uma conversa fora da agenda. Ao sair, disse que fora apenas “bater um papo” com o presidente, que é seu amigo.
É difícil, para dizer o mínimo, dissociar o “papo” do gesto posterior do ministro, que, a partir de setembro do próximo ano, sucederá Carmem Lúcia à frente do STF. Tanto é assim que Toffoli alegou também haver uma emenda constitucional, já aprovada no Senado, em tramitação na Câmara. Conviria, pois, aguardar.
Não é exatamente assim. O STF, ao estabelecer a interpretação restritiva, aliviaria de imediato sua pauta e aceleraria a Lava Jato, sem prejuízo do que tramita no Congresso.
A PEC aprovada no Senado – e também na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara - reduz ainda mais o alcance do foro, restringindo-o ao presidente e vice-presidente da República, ao chefe do Judiciário e aos presidentes da Câmara e do Senado.
Proíbe também que constituições estaduais criem novas categorias de foro privilegiado. Parece formidável, porém... não há prazo para que a PEC seja votada em plenário (pode até não ser), e nada impede que receba emenda que acrescente mais um cliente ao foro: os ex-presidentes da República.
E é disso, concretamente, que se trata, em manobra que une neste momento quase todos os partidos. O beneficiário maior – e imediato - é Lula, que se livraria do juiz Sérgio Moro. Mas não só ele.
Ao longo dos 128 anos da República brasileira, jamais houve tantos ex-presidentes vivos e judicialmente implicados. Há cinco: Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma. Destes, só FHC não responde a alguma demanda judicial. E o atual, Michel Temer, em pleno exercício, é denunciado em diversas outras, que o encontrarão na vala comum quando deixar o cargo dentro de um ano e um mês.
Todos, portanto, independentemente de partido ou divergências ideológicas, estão unidos pela causa comum da impunidade. E esta deriva de fato concreto: enquanto a Lava Jato, na sua instância primeira, condenou mais de uma centena de infratores de peso, o STF não condenou nenhum – e soltou alguns.
Há a recorrente explicação de que, sendo corte constitucional, o STF não está aparelhado para agir como tribunal processual penal. É verdade – e é por isso que os detentores do foro querem que tudo permaneça como está. Mas há mais: não há como ocultar sua natureza política, evidenciada nos diversos momentos em que a Lava Jato bateu às portas do Congresso ou do Palácio.
Nesses momentos, armam-se os “bate-papos” entre amigos, como o recente, entre Toffoli e Temer.
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