A releitura do tiroteio verbal entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes revela uma diferença essencial. Gilmar improvisou. Barroso tinha na cabeça uma fala memorizada, cuidadosamente construída para que os golpes retóricos atingissem o adversário no limite da linha da cintura. Em vez de acusá-lo explicitamente de mentiroso e parcial, por exemplo, Barroso disse que Gilmar “normalmente não trabalha com a verdade” e “vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu”.
Barroso também qualificou o misericordioso tratamento dispensado aos corruptos de estimação pelo ministro da defesa de culpados com um linguajar enganosamente polido: Gilmar teria estabelecido “uma parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”. O golpe mais rude, contudo, foi o menos notado pela plateia nacional. Ao ouvir que o Rio de Janeiro hoje não serve de exemplo para nada, Barroso replicou com uma alusão ao estado natal do oponente: “Vossa excelência deve achar que é Mato Grosso, onde está todo mundo preso”.
Gilmar foi à tréplica: “E no Rio, não estão?” Existem semelhanças entre os dois Estados, mas as diferenças são mais relevantes e, sobretudo, mais perigosas. O ex-governador fluminense Sérgio Cabral e outros figurões do seu reinado estão na cadeia. Da mesma forma, o ex-governador mato-grossense Silval Barbosa ficou um ano preso e só deixou a gaiola graças a um acordo de delação premiada. Foi esse o caminho que devolveu o direito de ir e vir ao ex-deputado José Riva, eterno chefão da Assembleia Legislativa.
A mais robusta diferença é que Barroso não tem nada a ver com Sérgio Cabral. Além de contemplar Silval com sucessivas demonstrações de amizade, Gilmar libertou José Riva com um habeas corpus. Os dois corruptos mato-grossenses só começaram a contar o que sabem. Logo estarão tratando de bandalheiras que envolvem o Poder Judiciário. É certo que as incontáveis patifarias não se limitam à primeira instância.
Augusto Nunes
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