terça-feira, 13 de junho de 2017

'Comédia' de alto risco

Para o advogado de Michel Temer, foi apenas uma comédia. Naquele encontro noturno gravado por Joesley Batista, dono do grupo JBS, Temer foi coadjuvante numa ópera-bufa, “encenada por um empresário e criminoso confesso” — definiu o criminalista Antonio Claudio Mariz em ofício ao juiz Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo. Esse gênero cômico nascido na Itália costuma requerer personagens fixos, como alguém endinheirado, um velho avarento e/ou um trapaceiro.

Agora, escreveu o advogado, o povo questiona: “Mas o que estão fazendo com o presidente? Seus amigos indagam: ‘Por que o Michel está sendo tratado desta forma?’”

Na sexta-feira, quando a petição de Mariz chegou ao Supremo, Temer completava a série de providências que vinha adotando discretamente desde a delação da JBS. Preparava-se para uma sequência de batalhas políticas e judiciais a partir desta semana. Como previa, venceu a primeira, no Tribunal Superior Eleitoral, onde acabou absolvido por excesso de provas.



Enquanto isso, no Diário Oficial, o presidente estampava uma medida provisória (nº 784) modificando 15 leis vigentes para, em caráter de urgência, restringir ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários futuros acordos de leniência de bancos, corretoras, seguradoras e empresas de auditoria, incluindo seus diretores, conselheiros e até auditores de balanços.

O que vier acontecerá sob sigilo e sob controle estrito do BC e da CVM, decretou, pois “sua publicidade pode colocar em risco a estabilidade e a solidez do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos ou de pessoa mencionada”.

A urgência e o teor da decisão indicam que Temer prevê que algum banqueiro e sua instituição estejam na iminência de detonar uma “bomba” sobre corrupção no sistema financeiro cujos efeitos poderiam comprometer “a estabilidade e a solidez” de todo o setor.

Há evidências de que grandes bancos e corretoras ganharam valiosas comissões para esconder dinheiro e realizar pagamentos de propinas — só a Odebrecht pagou US$ 1 bilhão no país. Desde a crise bancária dos anos 90, nenhum governo havia recorrido ao argumento do “risco sistêmico” para justificar decisões de controle e fiscalização do setor financeiro.

Temer, simultaneamente, mandou a Advogada-Geral da União requisitar à Justiça “compartilhamento integral, ainda que sigiloso, dos autos de todos os processos” de investigações derivadas da Lava-Jato (codinomes Greenfield, Sépsis e Cui Bono e Carne Fraca), nas quais a JBS aparece envolvida. Àquela altura, fiscais da Receita e da CVM já realizavam nova devassa nos arquivos do grupo comandado por Joesley e seu irmão Wesley Batista.

A semana ainda não acabara, quando o presidente sorriu ao saber que seus aliados haviam programado para amanhã, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a votação de um requerimento de interpelação ao juiz Edson Fachin (Temer nega que tenha mandado o serviço secreto espionar o relator da Lava-Jato no Supremo). A manobra reúne deputados aliados do presidente.

Temer deixou sem resposta 82 perguntas da Polícia Federal sobre sua omissão em comunicar crimes a que teria assistido na “comédia” de Joesley. Foi, realmente, um bom coadjuvante.

José Casado 

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