No meu pouco entendimento, excluído é quem pertenceu a uma entidade ou a comunidade e dela foi expulso ou impedido de nela continuar. Quem nunca pertenceu às classes remediadas ou abastadas não pode ter sido excluído delas. Mais apropriado seria dizer que nunca foi incluído. Ainda assim, se não me equivoco, incorreríamos em erro. Senão, vejamos: a Rocinha, o Vidigal, o Borel e a favela da Maré fazem parte da cidade do Rio de Janeiro, não fazem? Seria correto afirmar, então, quer seja do ponto de vista urbanístico, quer do demográfico e social, que o Rio são apenas os bairros em que reside a parte mais abastada da população? Se fizermos isso, então, sim, estaremos excluindo parte considerável do território e da gente que constitui a cidade do Rio e que, portanto, pertence a ela.
Consideremos agora a questão de outro ponto de vista. Nos morros e favelas da cidade residem cerca de 1 milhão de pessoas, que têm vida social ativa, pois trabalham, estudam, participam de organizações comunitárias e recreativas. A maioria delas trabalha fora de sua comunidade, no comércio, na indústria, no serviço público, ou desenvolve atividade informal. Logo, participa da vida econômica, cultural e esportiva da cidade. Em que sentido, então, essa gente estaria excluída? Não resta dúvida de que as famílias faveladas, na sua ampla maioria, vivem em condições precárias, tanto no que se refere ao conforto domiciliar quanto à alimentação, às condições de higiene e saneamento, educação, saúde e segurança. Mas não estão excluídas da preocupação dos políticos que, na época das eleições, vão até lá em busca de votos. Há, nessa comunidade, cabos eleitorais, pessoas que atuam em associações de bairro e fazem a ligação com os centros políticos de poder. É certo que a grande maioria dessa gente não participa da vida política, mas isso ocorre também com as demais pessoas, morem onde morarem. Por todas essas razões, somos obrigados a concluir que os pobres e favelados estão incluídos na vida econômica, social e política da sociedade.
No entanto, isso não significa que estejam em pé de igualdade com as pessoas das classes médias e ricas. Não estão e, na sua grande maioria, descendem de gerações de brasileiros que tampouco gozaram dessa igualdade. Muitos descendem de antigos escravos e de brancos pobres que, pela carência de meios e pela desigualdade que rege o processo social, jamais tiveram possibilidade de ascender econômica e socialmente. Eles não foram excluídos simplesmente porque jamais estiveram incluídos entre os mais ou menos privilegiados.
Por que, então, cientistas políticos, sociólogos e jornalistas, entre outros, falam de exclusão social? Por ignorância não será, já que todos eles estão a par do que, bem ou mal, tentei demonstrar aqui. Creio que, consciente ou inconscientemente, procura-se levar a sociedade a pensar que a desigualdade social não é conseqüência de fatores objetivos, do sistema econômico, mas sim resultado da deliberação de pessoas cruéis que empurram os mais fracos para fora da sociedade e os condenam à miséria.
Em vez de admitir que esse sistema, por visar acima de tudo o lucro e ser, por definição, concentrador da riqueza, é que dificulta, ainda que não impeça, a ascensão dos mais pobres, procura-se fazer crer que a desigualdade é fruto de decisões pessoais. Ignora-se que, no sistema capitalista, quem não tem emprego também está incluído nele, como exército de reserva de mão-de-obra, com a função de pressionar o trabalhador e limitar-lhe as reivindicações. A eliminação da miséria beneficia o sistema pois amplia o mercado consumidor. O empresário pode ser, como você ou eu, bom ou mau, generoso ou sovina, mas, como disse Marx, "o capital governa o capitalista". O problema está no sistema, não nas pessoas.
Ferreira Gullar
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