sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
O Brasil amarelou! De novo!
Chegou às portas da locomotiva São Paulo, margeia as sinuosas praias nordestinas, tomou os vales campestres de Minas e ameaça se espalhar rapidamente como pandemia por esse Brasil varonil. A febre amarela retornou com tudo. E segue em franco avanço em meio às folias de Momo. De forma avassaladora. Já não pode ser ignorada como uma ameaça menor. É doença inacreditável para os atuais tempos de desenvolvimento. Estava relegada a sociedades que abandonaram ou nunca ofereceram qualquer condição mínima de higiene à população, saneamento básico e tratamento elementar nos sistemas de esgoto e limpeza de águas. Mas o Brasil de tantos descasos conseguiu. Voltou a figurar, com destaque, entre as nações que abrigam o mal. Já é o pior surto registrado em décadas, com focos de transmissão dispersos por inúmeras localidades, o que acendeu o alerta vermelho na Organização Mundial de Saúde. Viajantes brasileiros ou que aqui estiveram só poderão desembarcar em outras terras com a comprovação da vacina. A exigência acaba de entrar em vigor em muitas fronteiras. Suprema humilhação. A morte por um mosquito espreita agora em cada esquina, rua, floresta ou área urbana do País.
Explodem as estatísticas – lançadas na conta do famigerado Aedes Aegypti – dos casos de dengue, chicungunha, zika e, na nova temporada, da letal febre amarela. Abominável reviver a situação que acometeu gerações nos primórdios do século passado. Exatamente 100 anos se passaram desde que o médico infectologista, Oswaldo Cruz, redentor de milhares de brasileiros, debelou o mal com o combate sistemático às enfermidades decorrentes da negligência sanitária. Cruz trabalhou pela imunização obrigatória e estabeleceu parâmetros básicos para a erradicação da moléstia. Ao repetir a sina de um século atrás o País regride também a padrões rudimentares de atendimento à sociedade. Faltam vacinas. Não existe planejamento de combate sistemático à proliferação da doença. Sobram descaso e hesitação das autoridades competentes. Especialistas dizem que o Brasil está sentado em uma bomba-relógio prestes a explodir. Limita seu raio de ação ao mero monitoramento e registro das contaminações. O desafio aumenta na exata medida da demora para por em prática medidas mais eficazes de controle. Quase 300 confirmações da doença foram anotadas no Ministério da Saúde e o avanço territorial não para no mapa de risco dos focos. A Sociedade Brasileira de Virologia informou que o vírus “com certeza” dominará toda a mata atlântica em pouco tempo. O que falta exatamente para a mudança desse quadro dantesco? A migração da febre amarela de uma região a outra por pessoas infectadas tende a crescer em períodos de viagens e festejos como o atual. Apenas em Ribeirão Preto, no interior paulista, 35 macacos estão sendo analisados por suspeita de morte pela doença. Se nada for feito, decerto a realidade encontrada por Oswaldo Cruz nos idos de 1916 tenderá a se repetir de maneira mais dramática, dado o contingente potencial de atingidos nas diversas regiões. Uma triste perspectiva capaz de macular a memória daquele pioneiro médico que um dia promoveu expedições de vacina para vingar o sonho de salvar toda a população. Na luta contra o aedes pode se dizer, com perdão do trocadilho, que o Brasil amarelou de novo.
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