segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Foi assim

No começo arranjaram desculpas. “Custo de fazer negócios”. “Anda mais rápido assim”. “Se não for assim, nada acontece”. “Não tem importância”. “Todo munda faz”. “Roubou mas faço”.

Desculpas eram muitas. Criativas. Diversas. Mas todas cínicas, mentirosas. Ofensivas a inteligência e ao bom senso. Mas de tanto ouvir, a gente se acostumou. Afinal, não era com a gente.

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Olhamos para o outro lado. Fingimos que não era com a gente. Por anos, décadas, séculos. Nada mais poderoso que a vontade de não enxergar. Toleramos a nódoa na alma. Calamo-nos porque achamos que não nos afetava.

Depois roubaram as palavras. Cultivaram eufemismos. “Recursos não contabilizados”. “Ponto fora da curva”. “Malfeitos”. “Pixuleco”. “Oxigênio”. Tudo soou mais suave, justificável, distante da realidade.

Olhamos para outro lado. Eram apenas palavras. E menos ofensivas aos ouvidos. Mais fáceis de engolir. E de aceitar. Achamos inútil discutir semântica. Chamar tudo pelo nome. Gritar. Protestar. Calamo-nos porque achamos que não nos afetava.

Depois roubaram o significado. Palavras suaves somente poderiam indicar ausência de culpa ou responsabilidade. E não existe culpa, nada é problema. Tudo é permitido. Sem consequências. Sem imputações. Sem punições. Impune, enfim.

Olhamos para outro lado. Já havíamos acostumado. Era normal. “São todo iguais”, pensamos. “E se a gente derrubar esse, o substituto vai ser igual, ou pior”, concluímos. E calamo-nos porque acreditamos que nada era tudo o que poderia ser feito.

E finalmente nos roubaram o futuro. Levaram o sorriso. A esperança. O futuro da próximas gerações. A segurança das gerações presentes. E nos calamos. De novo. Porque está nos falte acreditar que mudar é possível.

E foi assim que perdemos.

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