segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Como pôr o Brasil sob nova direção - 2

Um balanço da eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos ajuda a dar uma ideia da distância a que estamos da democracia. Eis alguns dados:

* 93 altos executivos estaduais foram diretamente eleitos. A lista inclui 12 governadores (nem todos os Estados elegem os seus na mesma data), 9 vices, 10 procuradores-gerais, 8 secretários de Estado (a principal função deles é gerir as eleições e “deseleições” locais), 9 secretários de Tesouro, 8 auditores-gerais (função similar à de um tribunal de contas) e ainda secretários de Agricultura, Educação, Recursos Naturais, Transportes, etc. Todos eleitos diretamente; todos passíveis de “deseleição” a qualquer momento a partir de petições iniciadas por qualquer cidadão, bastando a assinatura de entre 5% e 7% dos eleitores do funcionário visado para o “recall” ir a voto.

* 5.923 legisladores foram eleitos para 86 das 99 Assembleias Legislativas e Senados estaduais, todos passíveis de “recall”.

* 236 cadeiras de juiz em 63 Cortes Supremas ou de Apelação estiveram em disputa em 34 Estados por eleição direta ou indireta.

12 Estados convocaram “eleições de retenção” de juízes por mais seis anos. Cinco dos 7 juízes da Suprema Corte do Kansas, por exemplo, foram desafiados em função de posições assumidas numa “batalha” em torno de verbas de educação e da insatisfação com suas decisões em casos envolvendo pena de morte.

Aproveitando esta, como toda eleição a cada dois anos, municipais ou nacionais, 154 outros temas específicos foram decididos no voto em 34 Estados. Oito já tinham sido decididos em votações antecipadas.

* 71 eram leis de iniciativa popular.

* 5 foram votações de veto a leis aprovadas em Legislativos desafiadas por iniciativa popular.

* 79 foram parar nas cédulas (do tamanho de páginas de jornal e frequentemente com muitas folhas cheias de itens) em função de iniciativas anteriores obrigando os Legislativos a submeter automaticamente a referendo leis sobre impostos, dívida pública, educação e outros temas da escolha dos eleitores locais.

* O Maine votou uma lei criando para si um modelo único de eleições em todo o país.

* Na Califórnia, a “Proposição n.º 61”, anticorrupção, foi objeto da campanha mais cara da história. Obriga os órgãos públicos daquele Estado a pagar por qualquer medicamento apenas o mesmo preço pago pelo “U.S. Department of Veterans Affairs” (órgão federal para os veteranos de guerra). A indústria farmacêutica gastou US$ 109 milhões para tentar evitar que fosse aprovada.

* 9 Estados votaram leis envolvendo o uso de maconha – 5 já tinham aprovado o uso medicinal e estavam decidindo agora o uso “recreativo”.

* Os eleitores da Flórida aprovaram incentivos ao uso de energia solar.

* A “Proposition n.º 57” da Califórnia criava uma série de novas oportunidades de liberdade condicional para condenados por crimes não violentos e determinava que juízes, e não mais apenas promotores, decidissem caso a caso quando um menor de idade deveria ser julgado como adulto.

* Alguns Estados votaram propostas sobre levantamento de antecedentes para compra de armas.

* Em Nova Jersey, dois altos funcionários e um ex-prefeito foram condenados (em votação direta pedindo sim ou não numa lista de acusações) no “Escândalo da Ponte” (“Bridgegate”), por terem fechado pistas e provocado congestionamentos gigantes para prejudicar um governador candidato à reeleição em 2013.

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Ao fim de mais de cem anos elegendo e “deselegendo” de diretores de escolas públicas a presidentes da República e exercendo o direito de decidir diretamente o que quer que afete suas vidas não resta, como se vê, muita coisa de especialmente emocionante para resolver por lá. Mesmo assim, 13,7 milhões de assinaturas foram colhidas pelos proponentes das 162 medidas qualificadas para ir a voto; US$ 76,8 milhões foram gastos nas campanhas para essas coletas; outros US$ 917 milhões, nas campanhas contra e a favor de cada medida (muitas cidades e Estados, por decisões de iniciativa popular anteriores, pagam campanhas contra e a favor das medidas que o povo decidir submeter a voto com verbas iguais).

Os processos de “recall” vão, no máximo, até o cargo de governador estadual. No balanço de meio de ano de 2016, publicado em junho, 189 mirando 265 funcionários tinham sido iniciados. Em 2015 inteiro tinham corrido só 180 visando 275 funcionários. Na média, algo como 12% dos processos resulta em cassação. A maioria dos visados pede demissão no momento em que o processo consegue as assinaturas para se qualificar. Não há “recall” no nível federal (há impeachment) porque não é praticável. Pararia o país. Mas, em geral, o servidor que chega lá já está suficientemente “educado” nos termos e condições da sua relação com seus “patrões”.

Esses pequenos “flashes” sobre o verdadeiro modo de ser da democracia americana dão boas pistas para se entender como eles conseguiram reduzir a corrupção o bastante para torná-los milhares de vezes mais ricos do que nós (o PIB do Estado de Nova York sozinho equivale ao do Brasil inteiro), e quanta coisa de melhor há para mostrar na televisão ao desorientado cidadão brasileiro – neste momento perdido no espaço sem nenhuma noção sobre a que ele tem o direito ao menos de aspirar – do que vender mazelas localizadas como padrões do modo de vida americano, festejar ditadores mortos e amplificar infindavelmente o que se diz e desdiz em Brasília, se a intenção for realmente contribuir para melhorar o Brasil.

A construção da democracia é uma obra coletiva, um processo contínuo. A chave é a ampliação dos direitos do eleitor, que se começar pelo voto distrital com “recall” ganha pernas próprias e não para mais. Eles não mudam a natureza humana nem resolveriam num passe de mágica o drama brasileiro. Mas nos dariam a satisfação de passar a pagar somente pelos erros que nós mesmos cometêssemos, o que, por si só, traria “a valor presente” uma parte do explosivo benefício a ser colhido daí por diante, mais que suficiente para tirar o País do estado de coma.

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